Quem é quem, no dia D para o Brasil? Temos o dicionário eleitoral que lhe dá as respostas
Houve de tudo na campanha eleitoral brasileira: um festival de "fake news", uma facada decisiva, a omnipresença de Jesus Cristo (e de Lula da Silva), pequenas guerras em família, assassinatos por motivação política, influências externas, mercados nervosos, apoios indesejados e alianças esperadas que nunca chegaram. Eis o resumo, catalogado em 26 letras.
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A de ADÉLIO BISPO
O maníaco de Juiz de Fora protagonizou o momento mais dramático da campanha: a facada no abdómen de Jair Bolsonaro, que catapultou o deputado para a liderança das sondagens, a vitória na primeira volta e, provavelmente, o impulsionou até à presidência do Brasil.
B de BOLSONARO
Quase desconhecido antes de iniciar a caminhada eleitoral por um partido pequenino, o PSL, e sem direito a mais de oito segundos de tempo de antena na primeira volta, Bolsonaro já é, aconteça o que acontecer, o nome desta campanha. Até porque é o nome usado também pelo recém-eleito senador Flávio Bolsonaro e pelo deputado mais votado do país, Eduardo Bolsonaro - dois dos seus filhos.
C de CARIOCAS
O Rio de Janeiro, a cidade que um dia foi sinónimo de liberdade nos costumes, traduzida pelo Carnaval mais intenso e pelas praias mais sensuais, deve passar a ser presidida por Bolsonaro, governada por Wilson Witzel, um bolsonarista, e gerida pelo prefeito Marcelo Crivella, um bispo evangélico que é sobrinho de Edir Macedo. Os cariocas já não são - ou não podem ser - o que eram.
D de DEBATES
Eleição sem debates entre os dois principais candidatos? Sim. Na primeira volta, Fernando Haddad faltou aos primeiros dois porque o candidato oficial do PT ainda era Lula. Estreou-se no terceiro mas numa altura em que Bolsonaro já havia sido esfaqueado e internado. O líder das sondagens não foi a mais nenhum até ao fim da primeira volta e recusou-se a comparecer nos seis da segunda. Primeiro, escudado num atestado médico; depois, por pura estratégia. Ou medo.
E de EDIR MACEDO
Coincidência ou não, foi a partir do momento em que o bispo fundador da IURD admitiu que apoiava Bolsonaro que o capitão do exército subiu a pique nas sondagens. A influência do bispo não é apenas religiosa - é também mediática, ou não fosse a IURD a proprietária da TV Record, só superada em audiências pela Globo. O objetivo da aliança Bolsonaro-Macedo é, aliás, fazer da emissora uma Fox News brasileira.
F de FHC
Desde o fim da primeira volta até ao dia da votação da segunda, o antigo presidente Fernando Henrique Cardoso foi pressionado, no Brasil e no estrangeiro, a engolir um sapo em forma de apoio ao candidato do PT. Ainda chamou o bolsonarismo de fascismo a dada altura, mas o apoio, ipsis verbis, não surgiu.
G de GUERRINHAS
O Brasil dividiu-se ao meio. Filhos deixaram de frequentar a casa dos pais, irmãos e irmãs romperam relações, amigos tornaram-se inimigos. Tudo porque para uns #elenão e para outros #elesim.
H de HADDAD
Viveu num estranho equilíbrio: primeiro, teve de dizer ao país profundo que ele - desconhecido nos rincões do norte e nordeste, onde era mais vezes chamado por Andrade do que pelo seu verdadeiro nome libanês - era o escolhido de Lula. Uma vez cumprida a missão de se apurar para a segunda volta herdando os votos do mentor, tratou de omitir Lula da campanha para conquistar o centro e até a direita assustada com Bolsonaro. Se perder por poucos, mantém capital político para se recandidatar em 2022.
I de IBOPE
O mais antigo e famoso instituto de sondagens do Brasil, cujo nome nos dicionários brasileiros até aparece como sinónimo de audiência, dá 57% a Bolsonaro, 43% a Haddad. A ver vamos.
J de JESUS
Depois do dos candidatos, deve ter sido o nome mais repetido em campanha no maior país católico e espírita do mundo, e segundo maior Estado evangélico do planeta. Como os evangélicos entraram em força no apoio a Bolsonaro, Haddad reforçou, sempre que podia, a sua fé católica para não deixar escapar votos religiosos.
K de KU KLUX KLAN
O presente envenenado oferecido a Bolsonaro: David Duke, líder histórico da infame organização supremacista americana, disse que o candidato soava como ele.
L de LULA
FHC, 16 anos depois de ter saído do Planalto, ainda é influente. Imagine-se Lula, o maior líder popular do país, presidente até 2010. Da sua cela em Curitiba, organizou a campanha do PT e esteve omnipresente, para o bem ou para o mal, nos discursos de Haddad, mas também nos de Bolsonaro e nos de todos os outros candidatos.
M de MERCADO
Apesar dos avisos da revista The Economist e da agência de risco Standard & Poor"s de que Bolsonaro, por ser desconhecido, é um risco maior para os mercados do que Haddad - que elevou o grau de investimento de São Paulo quando foi prefeito da megalópole - o Ibovespa, índice da bolsa brasileira, fica eufórico a cada pontinho de vantagem do deputado nas sondagens.
N de NOTÍCIAS FALSAS
Depois dos EUA, atingido em cheio nas eleições de 2016 pelo fenómeno das fake news, agora foi a vez do Brasil. Bolsonaro não vai deixar de subir a rampa por causa do escândalo da compra de notícias falsas sobre Haddad por empresários amigos - o que encerra uma meia dúzia de ilegalidades -, mas esse tema pairará sobre o seu governo como a influência russa nas eleições americanas continua a ensombrar Trump.
O de OLAVO
Olavo de Carvalho - que não acredita na teoria da evolução de Darwin, que acha a inquisição uma invenção dos protestantes, que garante que os donos da globalização controlam o mundo a partir de uma fonte central e que as esquerdas têm um complô para legalizar a pedofilia - é o mentor intelectual de Bolsonaro. A viver nos EUA desde a ascensão do PT ao poder, ganha a vida através de aulas de filosofia online mesmo sem ter um curso universitário.
P de PDT
O partido de Ciro Gomes é uma pedra no sapato do PT. O seu presidente, Carlos Lupi, declarou um tímido "apoio crítico" a Haddad. Ciro, amigo pessoal do candidato, disse "ele não" na noite eleitoral da primeira volta, mas a seguir partiu de férias para a Europa onde está recolhido e calado. E o seu irmão, Cid, foi ao palanque do PT afirmar apoio mas acabou a trocar palavras duras com os militantes petistas. Com amigos destes...
Q de QUARTEL
Se o capitão Bolsonaro for eleito, o general Mourão será o Vice-Presidente. O general Heleno ocupar-se-á da Defesa. O general Ferreira cuidará da Infraestrutura. E o general Souto projetará a Educação. Pelo menos. De 1964 a 1985, o país viveu sob ditadura militar.
R de ROMUALDO DA COSTA
É nome de batismo de Moa do Katendé, capoeirista de Salvador que influenciou Caetano e Gil, morto no dia seguinte à primeira volta por um apoiante de Bolsonaro, após uma curta discussão. Os episódios sangrentos por motivações políticas - mas também raciais e homofóbicas. - sucedem-se às dezenas por todo o país.
S de STEVE BANNON
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, Bolsonaro já recebeu convite do estratega da campanha de Donald Trump para participar no "Movimento", grupo de ultra-direita nacionalista e populista com ramos na Europa, nos EUA e, provavelmente, no Brasil a partir de hoje.
T de TEMER
O mais reprovado Presidente da História do Brasil recebeu um alento, em forma de humor, com a hashtag na rede social Twitter #ficatemer. "Agora estamos todos divididos, antes estávamos todos unidos te odiando, #ficatemer", dizia uma internauta. Mais a sério, o cessante Michel Temer, sem o foro privilegiado da sua posição, fica agora sujeito aos tribunais, onde está a responder por meia dúzia de processos por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
U de ULYSSES GUIMARÃES
Uma boa e uma má notícia. Primeiro a boa: muitos dos piores caciques da política brasileira não se conseguiram reeleger deputados ou senadores como consequência da Operação Lava Jato, que dizimou os políticos tradicionais. Agora, a má: para os seus lugares foram eleitos um palhaço - Tiririca -, um ator pornográfico - Alexandre Frota -, além de um bizarro bando de militares e de uma extravagante multidão de pastores. Como dizia Ulysses Guimarães, o eterno pai da Constituição brasileira: "Este Congresso é mau? Espere pelo próximo..."
V de VIVENDAS DA BARRA
O condomínio de Jair Bolsonaro, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, faz parte do itinerário obrigatório da campanha. Enquanto Haddad corre o país, o candidato do PSL fica em casa, sossegado, a fazer diretos no Facebook, a receber aliados e equipas das televisões amigas. Antes do Vivendas da Barra, estabelecera como seu quartel-general o Hospital Albert Einstein, no centro de São Paulo, onde convalesceu da facada.
W de WITZEL
Wilson Witzel, até há pouco um desconhecido juiz, está a um passo de conquistar o governo do Rio surfando na mesma onda de Bolsonaro. Apoiante do capitão, promete encurralar e abater criminosos e apresenta-se como novidade. Mais dez dos 14 líderes de sondagens nas segundas voltas das eleições para os governos estaduais por todo o Brasil apoiam Bolsonaro.
X de XADREZ
"Você vai para a prisão jogar xadrez com o Lula", prometeu Bolsonaro num comício em que participou, via telemóvel, claro, na Avenida Paulista. Referia-se a Lindbergh Farias, um dos mais aguerridos senadores do PT, que já afirmou que não teme ser preso caso o candidato do PSL seja eleito.
Y de YOUSSEF
Onde e quando começou a onda Bolsonaro? Talvez no dia em que o intermediário Alberto Youssef, o primeiro delator da história da Lava Jato, começou a denunciar os esquemas de corrupção em que participava como pivô de uma negociata envolvendo partidos e construtoras. De então para cá, a política tradicional desabou numa avalanche a que escaparam apenas os políticos sem cadastro criminal. Por mais medíocres que fossem.
Z de ZERO TRÊS
Jair chama o filho mais velho, o senador Flávio, de 01, o segundo filho, o vereador Carlos, de 02, e o terceiro filho, o deputado Eduardo, de 03. Foi ele, o 03, o responsável pela última e mais mortífera das gafes de campanha da família Bolsonaro. Ao dizer que bastavam um cabo e um soldado para fechar o Supremo, criou uma crise institucional que nem com a repreensão pública do pai se resolveu.