Um cenário campestre, matizado em tons de verde, ambiente rural, fogo no chão e os aromas libertados pelos pitéus cozinhados com tempo, fazem do ‘Ir com sede ao pote’ uma experiência única com assinatura do ‘chef’ Renato Cunha
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Mal transpomos o portão da mansão Ana Monteiro, ancestral casa minhota com histórico familiar na freguesia de Portela (Vila Nova de Famalicão), mergulhamos na ruralidade de um rincão bucólico, aprazível e muito bem cuidado.
Os potes em ferro fundido, peças únicas resgatadas ao esquecimento pelo denodado trabalho que, de algum modo, esteve na génese desta iniciativa, que tem alcançado um êxito inquestionável, despertam a atenção, afirmando-se de certa forma como protagonistas do evento.
As chamas vão crepitando, iluminando a memória que resgata tempos idos de uma cozinha feita com tempo e ingredientes frescos e da época.
Matéria-prima de qualidade, espelho de uma aprimorada cultura em que sustentabilidade não é palavra vã, mas posta em prática pelo ‘chef’ Renato Cunha, que não se limita à teoria.
Famalicense de nascimento, foi de algum modo precursor da cozinha em lume no chão e potes de ferro, uma prática que tem registado seguidores.
Nesta experiência, distinguida a nível internacional com uma menção honrosa nos Best Of Wine Tourism (BOWT), Renato Cunha aposta nos produtos hortícolas locais da época e coloca
todo o saber e criatividade, que contribuíram para guindar o vizinho restaurante Ferrugem ao patamar de excelência e ao topo da culinária de marcada contemporaneidade.
Outra estrela brilharia, mais perto estivesse dos holofotes e dos circuitos mediáticos.
Renato Cunha, que reparte com a esposa, Anabela Rodrigues Cunha, o complexo e exigente labor organizativo, assente num acolhimento muito simpático e caloroso e num serviço sem falhas, explica com entusiasmo a razão de ser de todo o processo, enquanto vai mexendo com uma colher de pau o conteúdo de cada um dos potes, tarefa que naquela tarde luminosa e plácida, teve a ajuda do ‘chef’ convidado José Guedes (Cantina de Ventozelo e O Casario).
Jazz e Infusões com história em experiência sublime
No espaço do alindado quintal, sobranceiro à viçosa horta, ouve-se jazz, tocado ao vivo, em perfeita sintonia com o chilrear da passarada. Sons que emprestam um ambiente de tranquilidade, propício a saborear, sem pressas, os petiscos que vão sendo colocados na mesa comprida, fazendo companhia ao pão de fermentação natural e aos magníficos queijos de Idanha e Senras.
Dois escabeches – de carapau e de coelho com cogumelos – revelaram-se excelente preâmbulo: de carapau e de coelho, com cogumelos – fizeram a delícia do palato.
Na mesma alinha de sabor, a salada de tomate com rúcula selvagem bio e picle de cebola.
Para harmonizar, brilhou o Espumante Grande Reserva Clássico 2018 do produtor convidado: Quinta de Ventozelo,
A tripa enfarinhada frita, estaladiça, a ‘pedir’ o Rosé de Ventozelo 2023, servido em formato ‘magnum’ (1,5 l) ou, em alternativa, ao madeirense Colombo Caracol Listrão, um branco muito mineral e
salino, que abriu caminho à deliciosa canja de galinha velha com hortelã. Um sabor incrível, com o aroma da hortelã a conferir um toque muito especial.
A feijoada de cogumelos, elaborada com feijoca branca, revelou-se novo hino aos sabores e justificou em absoluto merecido aplauso à confeção, feita com rigor e mestria.
Para acompanhar, o Quinta de Ventozelo Blend Tinto 2019, também em formato ‘magnum’, bem estruturado, foi boa opção.
Na sequência de iguarias, o passo seguinte alcançou o brilhantismo, de tal modo que o aforismo ‘comer e chorar por mais’ aplicou-se na perfeição ao arroz de pargo legítimo, coentros, gengibre e limão.
Um pitéu que fez o palato exultar, tão sublime foi o tratamento culinário dado a matéria-prima de elevado grau de qualidade. Tudo perfeito: arroz bem aberto e no ponto, peixe muito fresco, acidez perfeita e os coentros a enobrecerem.
A concluir o ciclo de pratos principais, acém de vaca velha, batata e cenoura a revelar a textura e sabor da carne. O tinto Quinta de Ventozelo Sousão 2022 revelou complexidade e fez harmonia perfeita-
Para terminar em apótese, o leite creme feito com ovos caseiros. Elaborado com leite fresco, recolhido em ordenha recente, e muita paciência na confeção, revelou-se uma delícia, bem acompanhada com Quinta de Ventozelo Porto Colheita Tawny 2014, um vinho do Porto de eleição.
Um magnífico ponto final no evento, que contou, como é habitual, com a presença das Infusões com História, graças a uma parceria com empresa de Miguel Moreira, que proporciona enriquecedoras experiências ao longo de um programa que decorre entre as 17h00 e as 22h00.
O calendário desta iniciativa, com 10 eventos sempre ao sábado, está a meio; até final da época, estão em agenda os dias 26 de julho; 2 e 9 de agosto; 6 e 20 de setembro.
O ingresso tem o custo de 120 euros (as crianças entre os 4 e aos 12 anos pagam 50 por cento daquele valor) e as reservas – os lugares são limitados – podem ser feitas através do telefone 932 012 974 ou do endereço eletrónico restaurante @ferrugem.pt.
