A Sovibor produz e comercializa, desde 2016, vinhos de talha DOC elaborados de acordo com práticas ancestrais. Na adega de Borba, 86 talhas, algumas centenárias e todas pesgadas, testemunham o carinho pela tradição que projeta o futuro.
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Na adega da Sovibor/Sociedade de Vinhos de Borba, perfilam-se, bem alinhadas, quase uma centena de talhas. É um dos maiores conjuntos existentes no Alentejo, região onde a produção de vinho de talha tem vindo a ganhar, em algumas sub-regiões, novo fôlego nos últimos anos. De tal modo, que está em marcha a candidatura a Património Cultural Imaterial da Humanidade desta prática milenar de produção de vinho.
Fernando Tavares, administrador da Sovibor, restaurou e preservou com evidente bom gosto o património histórico da empresa adquirida em 2014.
"Foi o amor ao vinho que me motivou e, depois, veio a talha seguir", confessou à TSF no ambiente da adega onde se respira tradição. É a mola impulsionadora do Mamoré da Talha DOC, produzido desde 2016.
"Manter a tradição é um gosto meu e da família", sublinhou, referindo que "a técnica é milenar; por isso, é pegar, como fizemos, no que se fazia há dois mil anos".
O entusiasmo do empresário de Vale de Cambra pelo projeto contagiou a filha, Ana Rita Tavares, detentora de uma pós-graduação em ciências forenses e enóloga apaixonada pela produção, com sucesso, de vinhos de talha.
O respeito pela prática mais tradicional é levado muito a sério e explicada pelo enólogo António Ventura:
"Este vinho tem um processo oxidativo controlado e a talha tradicional, pesgada com cera de abelha e pez permite que a permuta de oxigénio entre o meio ambiente e o vinho se faça e, no fundo, isso induz uma micro oxigenação natural do vinho".
Para o enólogo, "a diferença entre vinificar uma vasilha hermética, um depósito de cimento revestido a epoxy, e uma talha, é que o depósito não permite a entrada de oxigénio. A talha permite que seja um vinho mais completo e ao mesmo tempo bastante fresco, graças ao barro", sublinhou o enólogo.
No caso da Sovibor, "são selecionadas as melhores uvas provenientes de vinhas velhas das castas tradicionais do Alentejo, para produzir um vinho natural, em que todo o processo é manual e extremamente trabalhoso", salienta António Ventura.
As uvas são pisadas a pé em tina de inox e baldeadas para a as talhas, sem recurso a qualquer sistema de bombagem. Durante a fermentação, duas vezes ao dia, a manta é mergulhada com recurso a um rodo de madeira.
No final da fermentação, as massas assentam no funo da talha e funcionam como um filtro do vinho.
Um processo moroso e caro, que a empresa entende dever ser respeitado, impedindo a adulteração de uma prática milenar.
"É difícil, rentabilizar este produto, mas faz parte do marketing. Os resultados comerciais não são os esperados, mas em termos de opinião é importante e é isso que nos motiva", revelou Fernando Tavares.
Pesgar uma talha de 1897
No exterior da adega onde os lagares em mármore são um dos ex-líbris, o cerimonial de pesgar uma talha centenária, datada de 1897, comprovou a seriedade com que é encarada na Sovibor a produção deste tipo de vinho.
Colocada lateralmente com todo o cuidado para não quebrar, a talha é rebolada num só movimento por ação de vários braços humanos, enquanto o pez, um produto à base de cera de abelha, resina e azeite vai barrando, de modo cadenciado, o interior de modo a garantir a impermeabilização. Uma operação feita com destreza e no ritmo certo por António Pinto, já com algumas ações similares no currículo.
Vinificação correta traduz-se em longevidade
Existe uma ideia de que os vinhos de talha não são para guardar. Um preconceito desmentido pela prova efetuada e explicada por António Ventura, que dirige a equipa de enologia integrada por Ana Rita Tavares e Rafael Neuparth.
"Quando são bem vinificados de acordo com o que é recomendado pela CVR do Alentejo, esses vinhos podem viver durante longos anos na garrafa e em excelentes condições", assegurou aquele responsável.
A prova efetuada - brancos Talha 2016 e 2018; Talha da Rita 2018 e Talha 2022 em amostra de cuba; petroleiros (produzido com uvas tintas e brancas associadas, sendo a designação explicada pela cor) de 2016, 2018 e 2022 também amostra e cuba; tintos, Talha 2016 e 2018, Moreto e Syrah, ambos de 2018; Talha 2019; Moreto, Touriga Nacional Syrah e Carignan, todos de 2019; talha e Moreto, ambos de 2022 em amostra de cuba - demonstraram a qualidade do trabalho efetuado, traduzida em vinhos frescos, com boa acidez e elegantes.
Na Sovibor, empresa que possui 100 hectares de vinha própria e mais 110 hectares graças a contratos com outros produtores, as talhas são um pequeno laboratório que permite a fermentação e estágio na produção de outros vinhos diferenciadores.
E de uma aguardente bagaceira, destilada a partir dos bagaços que eram origem aos vinhos de talha certificados. É um produto único, do qual foram produzidas 1800 garrafas, e que amplia o vasto portefólio da Sovibor.