Um novo espaço no Páteo de S. Miguel, em Évora, permite desenhar novas propostas no alargado programa de Vinho e Cultura (Wine and Culture), que valoriza um enoturismo a registar recordes de visitantes
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A esplanada do Páteo Cartuxa, enquadrada por um magnífico jardim, com aura de segredo bem escondido, permite apreciar em toda a dimensão a arquitetura do ancestral e majestoso Paço de S. Miguel.
O espaço, integrado no Páteo de S. Miguel, estende-se por duas agradáveis salas interiores, onde é possível saborear em ambiente calmo e descontraído, um petisco e a doçaria regional, apreciando os vinhos do vasto portefólio da casa.
É a mais recente novidade do enoturismo da Adega Cartuxa – um caso de estrondoso sucesso -- e permite agregar, em programas de vários tipos, provas de vinho, experiências gastronómicas e visitas ao valioso património edificado.
No coração do centro histórico de Évora, cidade Património Mundial da Unesco, o Páteo de S. Miguel, vizinho do templo romano e da sé, era um mundo dentro de outro mundo, um local em plano elevado, estratégico na defesa da cidade, uma vez que dali era possível vigiar tudo o que se passava em derredor.
Ali, onde nasceu a primeira igreja da cidade, antes da sé, talvez mesquita na fase anterior, está condensada grande parte da história da urbe eborense, também vivida entre as paredes do Paço, na posse da coroa portuguesa desde 1220, foi utilizado como pousada real até D. Duarte e residência de D. Nuno Álvares Pereira, o Condestável, durante a Guerra da Independência (1383-85).
A visita guiada ao magnífico Paço de S. Miguel é imperdível e está integrada no mais completo dos programas de enoturismo, que também inclui prova de vinhos premium do portefólio da Adega Cartuxa e uma refeição na Enoteca.
À mesa na Enoteca
A privilegiada localização da Enoteca Cartuxa, a dois passos do templo romano, é ideal para uma retemperadora pausa na rota das visitas, onde pode ser incluída a coleção de carruagens dos séculos XIX e XX (início) da família Eugénio de Almeida.
Espaço onde impera a modernidade, confortável e funcional e de ambiente descontraído, a Enoteca presenta propostas que enaltecem a cozinha tradicional, graças à qualidade dos produtos e ao bom trabalho culinário.
O vasto e muito completo portefólio da Adega Cartuxa permite sublimes harmonizações vínicas.
‘Para começar’, nada melhor que enchidos e queijos regionais.
E, ‘quem não arrisca, tão bem petisca’, nem sabe o que perde, caso não saboreie as lascas de bacalhau com batata palha e ovo frito. Uma ideia de carpaccio bacalhoeiro esta versão ‘à Brás’, preparada com primor na mesa. Início sublime com este campeão das preferências, harmonizado na perfeição com o espumante Cartuxa Bruto Reserva 2025.
O tártaro de novilho com tostas de pão se azeite, alho e pickles caseiros é outra opção relevante neste capítulo, onde figuram a emblemática perdiz à Cartuxa; rosbife com salada de maionese a merecer aplauso; jaquinzinhos com migas de tomate; gaspacho com presunto, proposta refrescante nos dias de canícula; sopa de tomate com ovo escalfado e espinafres; bochecha de porco ibérico, pimentão da horta, cogumelos e farofa entre várias sugestões, com aplauso justificado para o rosbife com salada de maionese.
‘Entretanto’, outro capítulo da lista, as propostas têm maior substância: o lombo de bacalhau com puré de grão, cebola roxa avinagrada e azeite de salsa fez jus á escolha, graças à culinária rigorosa a tirar partido da qualidade do gadídeo e à harmonia de sabores bem conseguida, a exemplo da harmonização com Foral de Évora 2021, um tinto com apreciável estrutura.
Boa nota, igualmente, para o clássico polvo à lagareiro acompanhado com as canónicas batatas a murro.
O toque mais alentejano surge com as migas de espargos com lombinhos de porco preto em vinha de alho. A carne do bácoro alimentado no montado é sugerida em propostas apelativas: presa de porco com puré de fava e batata doce frita; barriga confitada, alecrim e legumes assados.
Com sabor a mar, robalo com risotto de abóbora e espargos e a açorda de gambas ampliam o lote de sugestões.
O final só pode ser feliz com a escolha do emblemático pudim de azeite com salada de laranja e azeitonas. Um festim de sabores, em perfeita harmonia, a destacar-se de outras propostas embaraçosas na hora da escolha: toucinho do céu, creme de gengibre e limão ou farófias com canela são algumas das sugestões entre gelados artesanais de produção própria: ‘sorbet’ de espumante Rosé ou de Licoroso, ambos da marca Cartuxa.
Da Enoteca Cartuxa sai-se com (muita) vontade de lá voltar, tão saborosa foi a experiência, valorizada por um serviço de excelência em todos os domínios: do detalhado aconselhamento vínico à simpatia no atendimento,
A Adega Cartuxa
Nos arrabaldes de Évora, é na emblemática Quinta de Valbom que fica a Adega Cartuxa, edifício datado do século XVI. Casa de repouso dos Jesuítas quando demandaram a cidade para fundar a universidade, já por ali produziam vinho em 1518, como era prática habitual dos membros daquela ordem.
No início da visita à adega, onde não se produz vinho desde 2007, é explicada a história do edifício, outrora formado por capela e refeitório, hoje utilizado como local de estágio, durante 24 a 26 meses, das castas que dão origem ao lote do Pera Manca tinto em tonéis de carvalho francês com 12 a 15 anos e 2 500 litros de capacidade. Após aquele período de evolução, o grau de qualidade para ser Pera Manca é determinado pela equipa de enologia, liderada por Pedro Batista.
Após ser engarrafado, o vinho permanece mais três anos nas caves subterrâneas do vizinho mosteiro da Cartuxa a uma temperatura constante de 16 graus.
As joias da coroa estão bem guardadas numa divisão especial, um espaço onde, guardadas a sete chaves, repousam garrafas de todas as edições dos vinhos da Cartuxa, com destaque justificado para os valiosos e míticos Pera Manca.
A Quinta de Valbom foi adquirida pela família Eugénio de Almeida em 1906, quando se mudou para Évora e fez da propriedade, onde o vinho voltou a ser produzido por volta de 1880, uma casa agrícola. Era a época em que a filoxera arrasava as vinhas; mais tarde, Salazar só permitia, no Alentejo, a produção de vinho pelas adegas cooperativas.
Graças à ação de Vasco Maria Eugénio de Almeida, conde de Vilalva, a produção de vinho foi retomada em 1985, na Quinta de Valbom. Mecenas e filantropo, criou uma fundação, em 1963, de tal dimensão e alcance, em particular no domínio social, que se confunde com a própria cidade de Évora. Uma obra magnífica, traduzida em múltiplas frentes e, em particular, na construção do hospital do Patrocínio e na criação do ISESE (Instituto Superior Económico e Social de Évora), que abriu caminho ao regresso da universidade à cidade alentejana.
Decisão arrojada, foi plantar, de uma só vez, 260 hectares de vinha, numa altura em que a maquinaria era inexistente e só a poder de enxada a terra era trabalhada. «Uma autêntica epopeia», refere João Teixeira, diretor comercial da Adega Cartuxa.
«O empreendimento foi a base do crescimento e da notoriedade dos vinhos», sublinha aquele responsável.
No final dos anos 90 do século passado, a área de vinhas próprias era de 600 hectares, acrescida de mais 300 a 400 hectares de vinhas arrendadas.
Após a produção do primeiro vinho Cartuxa em 1895, o crescente sucesso comercial originou a construção de uma moderna adega, equipada com tecnologia de ponta, no Monte de Pinheiros.
O sucesso do enoturismo e do festival EA
O enoturismo, criado em 2009 na Quinta de Valbom, com vários tipos de provas de vinhos, tem constituído um caso de assinalável sucesso, traduzido, o ano passado, «no recorde de 30 200 visitantes, dos quais 57 por cento oriundos do Brasil; logo a seguir, os portugueses, norte-americanos e ingleses», revela João Teixeira.
Há três espaços para grupos, estando prevista a abertura de uma sala multimédia a 360 graus onde é contada a história da família Eugénio de Almeida até à Fundação.
Este ano, o EA Live voltou a animar a Adega Cartuxa, ao final do dia, com cinco com concertos – mais um em relação a 2023 – no magnífico cenário da Quinta de Valbom, emoldurado por vinhedos.
Provar vinhos ao pôr-do-sol alentejano, degustar petiscos e assistir a concertos noite dentro tem sido a fórmula de sucesso de um festival em que, este ano, atuaram os Quatro e Meia, José Cid, Miguel Araújo e António Zambujo, Mariza e os GNR.
Cada pessoa recebe um ‘kit’ composto por copo e um cartão que dá direito a três vinhos EA.
Noites de casa cheia, com cerca de 1500 lugares sentados, organização exemplar, promovendo o EA, um vinho consensual e de crescente importância no portefólio da Cartuxa, sinónimo de elevada qualidade, também no âmbito do enoturismo.
