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O caminho é suficientemente longo para nos prepararmos espiritualmente para a imersão total que nos aguarda. A Fortaleza do Guincho é um dos grandes bastiões oceânicos do nosso país e o biónico chef Gil Fernandes tem, ao longo dos anos, dado provas de que é a pessoa certa para o desafio. Dotado de um arsenal técnico notável, exprime-se em cada prato como quem respira o ar das suas ideias. Sento-me à mesa deste grande promontório com o sentimento misto de expectativa e serenidade. O excelente pessoal de sala trata de resto de garantir isso mesmo.
Inicio o caminho do menu Experiência, com a proposta Flor de Inverno, composta por lingueirão, caril e azedas. Fantástico o tratamento dado ao bivalve a que o povo chama também navalha, assessoria cítrica genial. Segue-se o Favo de Areia, um caldo do mar que vem junto com um excecional fricassé de bivalves, mel e algas, brilhante a todos os títulos.
O prato seguinte tem a curiosa designação de Pescado subvalorizado e foi um dos pratos da noite, tendo na base buzinas e gengibre, experiência quase metafísica, tratamento inédito do grande búzio, em que o chef Gil viu grandes virtudes. No prato Receita da Avó, que é ainda entrada, tenho uma proposta irrecusável de arroz de lapas e alga funcho-do-mar que multiplica o charme da refeição.
Na secção Goa, chegamos à essência e força desta experiência mágica. Vem o inesperado prato de carabineiro do Algarve Xeq Xeq - alusão à preparação goesa aqui aplicada ao inefável produto do sotavento algarvio - que nos eleva pelo sabor e sofisticação. O apontamento extra da moreia ajuda à leitura direta do prato e vai mais além.
No prato seguinte, intitulado Tradição, tenho a sorte de provar rodovalho, favas e funcho-selvagem, numa apresentação que só o Gil Fernandes consegue fazer. É muito bom reconhecer a inteligência aplicada ao sabor.
O derradeiro prato desta experiência magnífica chama-se Realidade Alentejana e consta de borrego merino, cuscos transmontanos e cogumelos selvagens. É como fazer um voo rasante a todo o território português, desta feita por terra em vez do mar que é servido através de toda a refeição.
Entramos no capítulo doce e é servida a proposta Troca de Conhecimento, espécie de harmonização entre Índia e Portugal e que consiste de achar de pêra com marmelo. Regenera o palato e traz muita novidade. Segue-se o Aroma de Primavera, composição invulgar e muito eficaz de morango e sabugueiro, mais primaveril seria difícil. A terminar, temos na mesa as mignardises que dão pelo nome de À Volta da Fogueira. E partimos a bordo desta nave sideral para voltar muitas vezes.