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O Mercado de Alvalade também é nome de restaurante. Miguel Reis gere com a sua mulher, Íris, um dos mais felizes exemplos do que é a autêntica cozinha de mercado. Isto porque é mesmo no Mercado de Alvalade que o encontramos. E é após transpor as muitas e ricas bancas especializadas em peixe, carne, legumes e até flores que ganhamos acesso à mesa. É fundamental reservar e comparecer a horas. As vezes em que me sentei tinham pequenas filas de gente para sentar.
Desta casa, contudo, ninguém sai sem ser bem servido e bem nutrido. Na pequena montra interior podemos inspecionar as apostas do dia, o nosso Miguel conhece como poucos o seu ofício. Há duas entradas que configuram o luxo deste restaurante de vocação especial. Amêijoas à Bulhão Pato, os bivalves a mostrar-se tão eficazes e marítimos como quando os debulhamos no mar; e as ovas de pescada à lagareiro, aqui feitas com requinte e muito garbo.
Entramos nos pratos de peixe e à cabeça sou forçado a recomendar os filetes de polvo com arroz de polvo. Tenros e passados por polme fino, arroz absolutamente patrimonial. Sou fã da açorda de berbigão que a cozinha prepara, assim como sou fã também de berbigão, para mim o melhor bivalve de todos. Os pratos de tacho têm forte representação neste Mercado, com a massada de garoupa no posto cimeiro, não se consegue parar de comer.
Canónicos e muito válidos do ponto de vista culinário são os filetes de peixe-galo com arroz de tomate. Da frescura do peixe nem é preciso falar e o arroz de tomate é fantástico. Há um bom caril de gambas que seduz mesmo os mais renitentes em relação ao prato, é feito sem excessos nos temperos e de forma muito acertada quanto ao balanço do tomate no conjunto.
As cataplanas da casa são muito recomendáveis sempre e aqui fazem-se de garoupa ou tamboril, consoante o que o mercado disponibiliza. Não se pense, contudo, que a carne é menosprezada, há, por exemplo, uma bela posta de vitela à casa de qualidade irrepreensível e um bife do lombo feito com tal arte que nos transporta para as cervejarias mais requintadas do país. O bitoque à casa não lhe fica atrás, é de registo mais popular e representa bem o imaginário lisboeta.
As sobremesas caseiras imperam no momento mais doce da refeição e dentre todas a minha escolha é trivial. Farófias, que aqui são feitas com muita ciência, e o folhado com doce de ovo, que é seguramente uma das melhores sobremesas de Lisboa. Difícil é não repetir, mas, no fundo, sabemos que a próxima refeição aqui está para muito breve.