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As grandes descobertas acontecem normalmente por acaso, em circunstâncias difíceis de explicar. Tive o tremendo azar de entornar líquido no teclado do meu computador, ficando por um par de semanas sem hipótese de trabalhar com ele. A reparação foi lenta e hoje agradeço por esse enorme contratempo. Fez-me descobrir um restaurante de bairro de que me tornei cliente e que hoje recomendo vivamente. Trata-se do Pérola do Ceira, fica numa transversal da Avenida da Igreja, em Alvalade, quase a chegar ao topo da rua.
Comida autêntica, matéria-prima de primeira e culinária cuidada, a evocar tempos antigos, em que a abundância não era problema. Hoje sou fã incondicional da pérola que é este Pérola e passei a frequentar a casa como muitos outros locais.
Percorri as três sopas que ali se fazem com total entrega e dos pratos eleitos nenhum até hoje me desapontou. As três sopas que referi são o caldo verde, a sopa de alho-francês e a sopa de feijão-verde. Todas levam batata na confeção, assunto em que sou objetor de consciência, mas que obviamente desagravo, face à pureza cristalina da execução.
Nos pratos de peixe, escolho quatro. As pataniscas de bacalhau sabem a ciência muito alegre e não têm nem um pingo de gordura a mais. Baixinhas, de fritura imaculada. Quando há, as sardinhas assadas na brasa são de revirar os olhos e vêm com salada de pimentos assados e tomate, que é o engodo de qualquer bom português. Os salmonetes grelhados são incríveis e fresquíssimos. E a massinha de garoupa com gambas que aqui se prepara é todo um tratado de comida de conforto.
Nas carnes estamos igualmente aconchegados e mimados. Adoro iscas de fígado e aqui fazem-se de porco a configurar perdição. O mesmo sou forçado a confessar acerca dos bifinhos de vitela de cebolada, tenros e apaladados. As espetadas mistas - porco e vaca - grelhadas são excelentes. O arroz de pato é um caso muito sério, assim como a feijoada à transmontana que aqui se serve. E é inesquecível o caril de frango que a casa produz, é de ir às lágrimas. A masala que lhe está na base não é de pureza nem raiz excecional, pareceu-me até bastante convencional. Mas na boca e na alma convence bem. Ou não estivéssemos nós num daqueles redutos e cozinha caseira que já não se encontra por aí.
A matriz beirã que marca a cozinha cria diariamente sobremesas que todos veneramos e de que todos precisamos. A tigelada e o arroz-doce são tais que não resistimos a levar para casa, mesmo quando a dose foi forte. Perdi um computador, mas ganhei uma mesa.