Corpo do artigo
O restaurante Pigmeu, em Campo de Ourique, representa um manifesto a favor da carne de porco. Pig quer dizer porco em inglês e o nome da casa acaba por ser uma concatenação interessante, misto de sentimento e sentido culinário. O chef Miguel Peres vai, contudo, mais além. É um autêntico evangelizador, e tem muito conhecimento para nos transmitir. O porco é ele próprio ícone da sustentabilidade, o povo fixou nele o aforismo “do porco come-se tudo”. Carne, cartilagens, vísceras, sangue e ossículos, tudo leva caminho feliz quando cozinhado a contento.
Começar por belíssimos torresmos do rissol, ou redenho, é inteiramente adequado e justo. Também são excelentes os pastéis de massa tenra da Avó Mercedes, massa maravilhosa, conteúdo genial, com enchidos de primeira. Claro que os croquetes do Pigmeu são mais do que recomendados e claro que uma dose de quatro nunca chega. É absurdamente boa a patanisca de chouriço fumado. Crocância firme e sabores bem construídos.
O chef Miguel sabe fazer as coisas. A sopa de couve e caldo de pés revela o universo de equilíbrios em que se movimenta o nosso herói. Colagénio e sabores da horta em uníssono sublime. Se gosta desta, vai adorar a outra, de tomate e água de pimento fermentado. Intensidade e força, numa solução espantosamente consensual. Emocionante.
Os pratos principais - digo eu - são de antologia pantagruélica e apetece comer todos, o que, com a companhia certa, é perfeitamente possível. Destaco o pé de porco com feijoca. Trabalho sublime e exemplar de extração, a produzir um caldo poderoso e a fazer colar os lábios. A ligação com a feijoca é genial, fez-me lembrar os judiones de Segóvia, por tão bem emparelhar proteína com leguminosa. Prato fundador, este que o Pigmeu serve, fica bem presente na memória. Outra tentação são as iscas de cebolada, prato popular que aqui é executado à maneira da filigrana, tal a elegância do que está no prato. Para entreter ou aprofundar, faz-se uma bifana excelente, a que aqui se chama bifana porcalhona. É deliciosa e não há português que, mesmo sem disso se dar conta, não a traga incrustada na alma. Todos os dias há um corte diferente do porco a que se dá a devida orientação culinária. Pergunte qual e vai ter sempre uma boa surpresa.
As doces terminações são tentadoras. Há uma mousse de chocolate com 71% de cacau que é fantástica. E o pudim abade de Priscos do Pigmeu é toda uma experiência que não pode deixar de fazer. Já de saída, percebo melhor o nome desta casa. Pigmeu é também como sinto, perante a grandiosidade de tudo o que acontece à mesa.