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Estamos em Fátima, terra de muitos prodígios, dos quais o santuário na vizinha Cova da Iria é sede plena. Alice Marto Clemente e os seus maravilhosos filhos mantêm aqui um autêntico relicário sentimental de que todos passamos a fazer parte após a primeira experiência. Pureza culinária cristalina, profundidade de sabor e consensualidade dos pratos e muito sabor, pérolas que deixamos incrustar no coração.
Fantástica sopa de feijão com couve, forte e nutritiva, evocativa da sopa dos peregrinos, aconselho todos a prová-la. Há uma morcela de arroz assada que mesmo quando vou sozinho tenho de pedir e deliciar-me com ela. E não digo não a umas deliciosas e finas fatias de presunto ibérico Maldonado. Isto era já suficiente como refeição, mas aqui a razoabilidade fica à porta.
Há um bacalhau gratinado no forno com camarão que cada travessa que vai saindo da cozinha perfuma a casa toda. A açorda de camarão será sempre o melhor exemplo para mim, qualidade da matéria-prima e muito aprumo culinário. Há um arroz de robalo e tamboril que nos mostra com clareza a proximidade oceânica em que nos encontramos. Nazaré, São Martinho do Porto e Praia da Vieira são lugares históricos que continuam a dar-nos muitas alegrias à mesa. Alegria à mesa nunca aqui me faltou, a carta de vinhos é perfeita e tem sempre títulos novos que surpreendem. Por vezes temos de ter a humildade de reconhecer que somos bem tratados.
Passamos às carnes e o fascínio continua. O arroz de pato foge a todos os cânones populares do prato, mas o sabor está sempre nos píncaros do prazer. É por este que todos os outros deviam pautar-se. A vitela assada em forno a lenha é exemplar na sua portugalidade, verdadeiro hino culinário e todo um compêndio. A chanfana também é feita em forno a lenha, é feita com requintes de alta cozinha. Livre de gorduras feias, dá prazer a comer a todos, sejam crianças ou adultos. Seleção muito cuidada das peças de carne, toque suave de banha, cada caçoila que sai do forno parece vinda diretamente do céu. Penso que é mesmo donde vem.
Termina-se em modo doce com o exemplar leite-creme conventual, feito de forma paciente e aturada, sem farinha. Vale a pena conferir o prazer que está guardado para os que optam por esta magnífica sobremesa. O pudim de ovos que esta casa abençoada produz é fidelíssima reprodução do pudim abade de Priscos, impossível não adorar. E há um bolo mousse de chocolate com gelado que nos põe de bem com a vida. Grande experiência, este Tia Alice. Para repetir sempre que se pode.