Está de regresso, no Porto, o Clube Enogastronómico do Moinho de Vento. A defesa e promoção da autêntica cozinha tradicional da cidade Invicta e da região são o objetivo das tertúlias mensais
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Após um hiato ditado por causas diversas, com a pandemia a ter um peso significativo nessa interrupção, está de regresso o Clube Enogastronómico do Moinho de Vento, feliz iniciativa de Pedro Bessa Monteiro, proprietário do emblemático restaurante do Porto.
O objetivo deste novo ciclo de encontros à mesa mantém-se fiel ao desígnio inicial de manter acesa e crepitante a chama da autêntica e tradicional cozinha portuense, tão desaparecida nos dias que correm, e provar vinhos de um produtor convidado.
A mesa é, desse modo, local de eleição para figuras do Porto dos mais diversos quadrantes saborearem alguns dos pratos mais tradicionais da genuína cozinha tripeira e apontarem caminhos para a afirmação de uma gastronomia que tem a marca da cidade e da região.
A periodicidade de tais encontros é mensal, exceção feita aos meses de verão – julho, agosto e setembro – e o Solar Moinho de Vento, uma antiga taberna aberta em 1905 num bonito edifício do século XVI, que mantém o travejamento original em madeira, no coração da baixa portuense, é o cenário ideal de tais jornadas.
Vai para um quarto de século que Pedro Bessa Monteiro, músico e licenciado em gestão, após largos anos como fiel cliente acompanhando os pais, tomou em mãos a liderança do Solar Moinho de Vento, designação adotada em 1955.
Um trajeto curioso do proprietário, que traduz o amor a uma casa que mantém de modo consistente o estatuto de elevada qualidade, sem concessões a modas – e como elas são efémeras - afirmando-se como um verdadeiro bastião da gastronomia tripeira.
As especialidades não saem de cena, como sucede com a favada à moda da Avó Ermelinda e o coelho à moda de Baltar.
Mas, também há bacalhau à Gomes de Sá, cozido à portuguesa, tripas à moda do Porto, cabrito e vitela assados no forno, filetes de bacalhau com arroz seco do gadídeo, arroz de cabidela ‘pica no chão', arroz de costelinhas com grelos e moura.
O aconchego do espaço, entretanto ampliado no piso térreo, e onde se respira tradição, cria o ambiente ideal para as animadas tertúlias, ao longo das quais o anfitrião Pedro Bessa Monteiro e o chefe Álvaro Costa, paladino defensor dos produtos endógenos e da cozinha à portuguesa, assumem justificado protagonismo, suscitando o debate, dando nota dos passos culinários e, por vezes, até históricos, para concretizar os pitéus apresentados.
Cozinha rústica e vinhos Fora da Caixa
O início da sessão gastronómica do recomeço destes encontros foi prometedor e teve a frescura dos mares setentrionais, origem do salmão com rótulo La Balinesa/Brasmar: lombo imperial em noutra versão, o peixe selvagem proveniente da Escócia fatiado e acolitado por azeite de Arbequina, a variedade de azeitona mais tradicional de Jaen (Andaluzia).
O esplendor de fulgurante começo teve ainda sabor mediterrânico com o presunto, fatiado a preceito, oriundo da região estremenha de Badajoz.
O ato seguinte revelou esplendorosa harmonia de sabores, protagonizada pelos sames de bacalhau com feijocas e coentros. De grande nível!
Para harmonizar um branco do Douro, literalmente Fora da Caixa, marca registada pelo enólogo e produtor João Silva e Sousa.
Um vinho de autor consagrado, entusiasta e persistente, que optou por elaborar um lote de três colheitas – 2019, 2020 e 2021 – produzidas com uvas das castas Arinto (cerda de dois terços) e Viosinho (um terço) provenientes de vinhas situadas a mais de 450 metros de altitude.
É um vinho muito bem estruturado, com um final longo, que pede comida e mantém assinalável qualidade após seis anos em garrafa.
Neste crescendo de emoções à mesa, temperadas com conversas cruzadas e muito animadas sobre temáticas gastronómicas, pousou na mesa um volumoso tacho que, aberto e fumegante, libertou aromas incríveis. Para trás, ficaram duas horas e meia de paciente confeção de um refogado com tomate, cebola e pimento, que caramelizou várias vezes, e ao qual foi adicionado vinho branco.
A calda, com vinagre na medida certa, sublinhou na perfeição da divinal sopa de bacalhau com macarrão, com assinatura do chefe Álvaro Costa, dinâmico e entusiasta elemento fundador da tertúlia.
O tinto duriense Fora da Caixa, de igual modo um vinho de lote, elaborado com uvas de vinhas velhas de Touriga Franca (maioria) e de Touriga Nacional de quatro colheitas – 2018, 2019, 2020 e 2021 – acompanhou de modo esplendoroso aquele pitéu e o seguinte.
A terminar o ciclo de pratos de resistência, nada melhor que um dos ícones da casa: arroz de costelinhas em vinha de alho com grelos e moura.
Um clássico em versão com um toque diferente, proporcionado pelo arroz. A opção foi outro tipo de grão, m relação ao habitual, disponibilizado pela Novarroz.
Sublime o sabor da carne, muito tenra, a despegar-se facilmente do osso, dos hortícolas e do enchido, envoltos por um arroz muito bem confecionado.
A concluir, um arroz-doce de fazer exultar o palato, elaborado com o Ariete da Novarroz, uma das melhores variedades de arroz Carolino produzido em Portugal e uma referência do Baixo Mondego.
Por tão saborosas razões e animadas conversas, o regresso à atividade do Clube Enogastronómico do Moinho de Vento não podia ter sido mais auspicioso.
