Cassard volta a atacar Cidade Velha, levando quase tudo e deixando pânico e cheio a pólvora
Praia, 30 jun 2019 (Lusa) - O pirata francês Jacques Cassard voltou hoje a atacar Cidade Velha, em Cabo Verde, 307 anos depois, numa recriação em que o corsário levou quase tudo, deixando pânico na população e cheiro a pólvora no centro histórico.
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Depois da estreia no ano passado, com a recriação do ataque de piratas, chegada dos Jesuítas e fuga de escravos, a segunda edição do projeto "Viagem pela História", encenou este ano o ataque do pirata francês Jacques Cassard, acontecido em 04 de maio de 1712.
Com duas horas de atraso, o anúncio da chegada de Cassard foi dado num dia normal na vida da então cidade de Santiago, enquanto decorria uma missa, que reunia muitos dos nobres do então território português, entre eles o governador, encenado pelo economista e professor Gilson Pina.
O corsário aproximou-se com suas tropas com bandeira branca da paz, mas ao desembarcar na cidade da Praia, hasteou a bandeira vermelha da guerra, levando o governador e suas poucas tropas, civis e escravos a renderem-se.
Cassard entrou na Cidade Velha de forma triunfante, ao som de tambores e de munições de salva, que deixaram pânico na população e cheiro a pólvora no centro histórico.
Após algumas horas a pilhar casas, igrejas, comércio e pessoas, o pirata classificou a sua missão como um "sucesso", levando quase tudo, desde escravos, ouro, prata, peças de artilharia, balas, munições, dinheiro, sinos de igrejas e material de escritório.
O corsário não deixou a Ribeira Grande de Santiago, nome inicial da Cidade Velha, sem antes ter destruído e queimado importante património, entre o qual parte da Catedral, que atualmente se encontra em ruínas e é a única no país.
A recriação foi assistida por centenas de pessoas, entre nacionais e estrangeiros, na era das tecnologias em que tudo foi documentado em fotos e vídeos, de telemóveis e profissionais da comunicação social, e um drone.
Jacques Cassard foi encenado pelo arquiteto da Câmara da Ribeira Grande de Santiago Mizael Benrós, que disse à agência Lusa que é uma história verídica e importante, mas que nunca tinha oportunidade de a conhecer na sua totalidade.
O arquiteto lembrou que foi depois do ataque de Cassard que Ribeira Grande caiu em declínio e veio a surgir a cidade da Praia como capital de Cabo Verde, numa mudança de centro do poder, devido aos grandes estragos causados pelo pirata.
Dizendo que foi uma experiência "muito interessante", porque também teve de "entrar na história", com um enquadramento da época e as motivações do pirata, o ator afirmou ainda que o que o chamou mais atenção foi a facilidade de se contar a história, mesmo não sendo agradável.
A produção foi do dramaturgo e encenador Sabino Baessa, que tomou conta da operação militar e, ao mesmo tempo, coordenando todas as outras áreas, enquanto Gamal Mascarenhas ficou com a vida na cidade e a feira no pelourinho.
Em declarações à Lusa, Sabino Baessa indicou que a produção contou com cerca de 500 figurantes, entre militares, alunos de liceus da Praia, grupos de dança, de teatro e de capoeira e da população local, embora com uma fraca adesão.
A ideia, segundo o encenador, era que o centro amanhecesse como a cidade de Santiago de 1712, mas tal não foi possível, porque alguns moradores aceitaram que as suas casas fossem adaptadas à época, mas outros mudaram de ideias à última ora, causando problemas na organização.
Toda a encenação foi um "grande desafio" para Sabino Baessa, que tomou a responsabilidade em finais de maio, tendo um mês para consultar e sintetizar muitos livros, de forma a que qualquer pessoa possa ter noção do que aconteceu na altura.
O dramaturgo, do grupo de teatro Fadu Fla, salientou ainda que se trata de uma "história supre interessante", porque muitas das pessoas, mesmo não sendo atores, empolgaram-se com a narrativa e "conectaram com as personagens".
"E isso, para mim como encenador, facilitou o meu trabalho, quando as pessoas gostam daquilo que vão interpretar", disse Sabino Baessa, que classificou a iniciativa como "louvável", entendendo que é uma forma "mais viva e mais dinâmica" de dar vida a um livro.
A invasão de Jacques Cassard à Ribeira Grande de Santiago foi uma das atividades emblemáticas das comemorações do 10.º aniversário da elevação do centro histórico a património mundial da humanidade, que aconteceu a 26 de junho.
Ribeira Grande foi a primeira cidade construída pelos europeus, tornando-se na primeira capital do arquipélago, título que manteve até 1770, quando a capital do país passou a ser a Praia de Santa Maria, atual cidade da Praia.
O sítio histórico foi erigido no século XV para servir de ponto de abastecimento para o comércio de escravos entre África e América, é património mundial da UNESCO desde 2009.