Herdou um país em crise e quis usar o dinheiro do petróleo para reduzir as desigualdades sociais. O El Comandante devolveu a esperança aos venezuelanos, mas criou um regime autoritário. Estará a revolução bolivariana, que quis levar o socialismo do século XXI à Venezuela, perto do fim?
Corpo do artigo
Durante 40 anos, a Venezuela foi governada por dois partidos. A Ação Democrática e o Comité de Organização Política Eleitoral Independente revezaram-se no poder sem conseguirem resolver os problemas do país. Em 1998, o povo fartou-se dos partidos tradicionais e deu a vitória a um jovem militar que tinha ficado conhecido por uma tentativa de golpe de Estado contra o Presidente Carlos Andrés Pérez. Depois de dois anos na prisão, Hugo Chávez foi perdoado e acabou por chegar à chefia de Estado através de meios democráticos.
Depois da década de 1980, em que o país beneficiou de um boom do petróleo, nos anos 90 os preços, o desemprego e a dívida pública começaram a crescer. O Governo de Pérez optou por fazer cortes nos programas sociais, aumentar os impostos e privatizar diversas empresas. A crise em que o país caiu provocou uma revolta popular com protestos e atos de vandalismo em Caracas. O Presidente suspendeu várias garantias constitucionais e, para se salvar politicamente, colocou o Exército nas ruas com ordens para usar todos os meios disponíveis. Centenas de pessoas foram mortas - o número exato ainda hoje é motivo de debate no país.
A indignação das pessoas fez aumentar o apoio a Hugo Chávez. Quando chegou ao palácio presidencial de Miraflores, o líder da revolução bolivariana usou o dinheiro do petróleo para investir na redução das desigualdades sociais. Os programas sociais contribuíram para uma dignificação dos setores mais pobres da população e, enquanto o contexto económico foi favorável, o Presidente foi distribuindo a riqueza do país.
Chávez tinha dois objetivos como Presidente: tornar a sociedade menos desigual e manter-se no poder o tempo suficiente para o conseguir. Para isso precisava de alterar a Constituição e avançar com os programas sociais. Entre 2000 e 2009, os gastos per capita na saúde aumentaram de 273 para 680 dólares. A taxa de pobreza caiu para metade em apenas uma década e a pobreza extrema teve uma redução ainda maior. O líder da revolução avançou ainda com a reforma agrária há muito adiada no país.
Estas políticas não agradaram a todos, principalmente às elites venezuelanas. Em 2002, houve uma tentativa de golpe de Estado e Chávez decidiu acelerar o ritmo das reformas. Avançou então com a campanha de alfabetização de proximidade, vários programas de saúde que tiveram a colaboração dos cubanos e iniciativas destinadas a dar trabalho aos desempregados de longa duração.
O chefe de Estado decidiu criar os círculos bolivarianos, fóruns comunitários em que os participantes trabalhavam para melhorar o bairro onde viviam. Eram grupos que, em caso de necessidade, estavam também disponíveis para proteger Chávez. A participação cívica aumentou nos últimos 20 anos, mas houve também o reverso da medalha. Sob Chávez, os cargos políticos passaram a ser ocupados pelos apoiantes, os processos judiciais sofreram influências políticas, os juízes foram intimidados, os órgãos de comunicação social independentes foram encerrados e os media oficiais transmitiam durante horas os discursos do Presidente. O regime também nada fez para combater a criminalidade.
Em 2011, Hugo Chávez revelou ao país que tinha cancro. Seguiu depois para Cuba para ser operado e os colaboradores garantiram que tudo tinha corrido bem. Um ano mais tarde, recandidatou-se às presidenciais e foi de novo eleito. Em 2013, depois de três meses sem ser visto em público, coube a Nicolás Maduro anunciar que o El Comandante tinha morrido num hospital em Caracas.
Em outubro de 2012, já doente, Chávez nomeara Maduro como vice-presidente e menos de dois meses depois apontava-o como sucessor. Três dias depois da sua morte, Maduro assumiu funções como presidente interino. A campanha para as presidenciais começou quase de imediato e, nesse mesmo ano, conseguiu ser eleito apenas com 2% de vantagem sobre o mais direto adversário, Henrique Caprilles.
Com Nicolás Maduro no poder, as tendências autoritárias do regime acentuaram-se e a crise internacional de 2008 - que já tinha começado a fazer mossa na economia do regime - acelerou o processo de degradação do país. Maduro herdou uma economia afetada pela alta inflação e pelo desemprego. O petróleo representa cerca de 95% do PIB venezuelano e quando os preços caíram a nível mundial a economia do país não mais conseguiu recuperar. Começou a haver dificuldades em importar todo o tipo de bens, incluindo os de primeira necessidade.
Apesar de todas as tentativas, a Venezuela continuou em queda livre, económica e socialmente. No ano passado, a situação económica agravou-se e milhares de venezuelanos foram obrigados a fugir, entre eles muitos portugueses e luso descendentes. Tentando escapar aos efeitos da queda de popularidade, Maduro decidiu antecipar as eleições presidenciais em 2018. Numa votação muito contestada e com fraca participação dos eleitores, conseguiu ser reeleito com quase 70% dos votos. No país, poucos reconheceram o resultado e a comunidade internacional reagiu também com fortes críticas.
Em janeiro de 2019, um dia depois de Maduro ter assumido funções para um novo mandato, o presidente da Assembleia Nacional anunciou publicamente que assumia a funções de chefe de Estado interino até serem realizadas novas eleições. Juan Guaidó conseguiu o reconhecimento imediato dos Estados Unidos e, dia após dia, tem conquistado novos apoios internacionais.
Maduro recusa-se abandonar o poder e a tensão na Venezuela tem aumentado. Os militares são encarados como os fieis da balança e, para já, as chefias continuam a apoiar o sucessor de Hugo Chávez. Resta saber até quando.