Um presente inesperado levou um professor norte-americano à caça das pistas do urânio, material que os alemães utilizaram para tentar fabricar a bomba nuclear. Faltou a fórmula certa e o sentido de cooperação. Pelo caminho, ficou a liderança armada a nível mundial.
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Não era carvão, nem presente para quem se porta mal. O que Tim Koeth, professor de Ciência dos Materiais da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e especialista em aceleração de partículas, recebeu em 2013 um cubo de metal acinzentado, quase negro, de duas polegadas (125 centímetros cúbicos) e pouco mais de dois quilos. Endereçada a Koeth estava também uma mensagem, que o destinatário ainda demoraria a compreender.
"Trouxe da Alemanha, da bomba nuclear que Hitler tentou construir, um presente de Ninninger." Foram estas as palavras que, segundo o jornal espanhol El País , conduziram Tim Koeth a uma investigação de cinco anos, que culminou numa conclusão: a Alemanha de Adolf Hitler esteve muito perto de produzir energia nuclear.
Ninninger, morto há mais de 10 anos, foi responsável pela exploração de urânio do Projeto Manhattan, durante a Segunda Guerra Mundial. Quando, no inverno de 1944, as tropas aliadas ameaçaram entrar na Alemanha, Werner Heisenberg, teórico quântico e Prémio Nobel da Física em 1932, converteu o seu porão de cerveja num escritório onde guardou o reator nuclear.
"A construção de uma bomba nuclear pela separação de isótopos de urânio ou a produção de plutónio num reator era, em princípio, viável, mas ambos os processos levariam muitos anos, estavam além dos meios da Alemanha em tempos de guerra e provavelmente além das capacidades dos inimigos da Alemanha ", lembrou o físico Klaus Gottstein, que trabalhou com Heisenberg depois da guerra.
Os nazis ouviram Heisenberg e pararam o projeto de criação da bomba. Ou pararam aparentemente, porque, na verdade, as experiências paralelas continuaram, pela mão do físico de Kurt Diebner, que, até ao fim da Grande Guerra, continuou a testar o urânio em Gotaw, na Alemanha. Por outro lado, Heisenberg recebeu aprovação para investigar, primeiro em Berlim, depois em Haigerloch, a geração de energia nuclear a partir de um reator.
O composto de urânio de Heisenberg consistia em 664 cubos, unidos por aço trançado e suspenso num tanque de água pesada (óxido de deutério), para catalisar a reação, tudo isto envolto ainda num anel de grafite. Chamava-se B-VIII, era a oitava tentativa e a que encerrava a experiência em março de 1945 - apenas um mês antes da chegada das tropas dos Estados Unidos. Mas faltava algo na receita explosiva. Os cubos foram enriquecidos com urânio natural, mas com apenas 0,7% de isótopo Urânio-235, o único físsil, e, portanto, com capacidade para causar uma reação de fissão em cadeia.
Como o reator foi parcialmente desmontado quando as tropas aliadas chegaram, sem a água pesada e com os cubos de urânio escondidos, os americanos deduziram que não havia perigo à vista, e que os alemães não tinham como criar uma bomba nuclear. "O composto ainda era pequeno demais para sustentar uma reação de fissão independente, mas um ligeiro aumento no seu tamanho poderia ter sido suficiente para iniciar o processo de geração de energia", revelaria Heisenberg mais tarde. E Koeth fornece os dados: "Estima-se que o reator experimental precisaria de mais 50% de urânio para operar."
O mais surpreendente, no entanto, é que os alemães tinham essa quantidade extra. Nos arquivos nacionais dos EUA, o professor americano encontrou uma caixa chamada "Uranium alemão". No seu interior, não constava muita informação sobre os 664 cubos de Heisenberg - dos quais 659 foram encontrados enterrados num campo próximo - mas havia algo mais: uma pista que apontava a existência de 400 outros cubos, cujo rasto foi perdido. Estes compostos de urânio teriam sido utilizados nas tentativas rivais de criar fissão.
"Se os alemães tivessem concentrado os seus recursos [como o Manhattan Project fez], em vez de mantê-los dispersos em experiências divergentes, poderiam ter conseguido desenvolver um reator nuclear funcional", revelou o pesquisador da Universidade de Maryland e co-autor da investigação, Tim Koeth.
Um grupo de físicos italianos analisou os manuscritos de Heisenberg sobre o B-VIII, e pôde concluir que os alemães estavam no caminho certo, bem perto de se tornarem um perigo nuclear. "Embora o B-VIII ainda estivesse longe do nível de criticidade (encontrava-se em k = 0,85, e tinha de atingir o k = 1), a distância para um reator sustentável era pequena. De certa forma, é estranho que lhes tenha escapado a configuração correta", comentou o físico de partículas da Agência Italiana para Novas Tecnologias, Energia e Desenvolvimento Sustentável e principal autor da investigação, Giacomo Grasso.
A análise do cubo de Koeth por espetroscopia de raios gama mostra que este bloco não foi utilizado em nenhum reator que tenha atingido a criticidade necessária. E não é o único cubo a que a História perdeu o rasto. Em 2015, físicos de um centro de pesquisa de segurança nuclear dependente do Centro de Pesquisa Conjunta da UE realizaram uma análise forense completa a outro dos cubos de Heisenberg - encontrado nas proximidades da sua residência de verão nos anos 60, e datado de setembro de 1943.
O que faltou? Pelo menos para já, esta pergunta fica sem resposta. Segundo Giacomo Grasso, "o verdadeiro problema foi a tentativa de Heisenberg". Mas, "claro, ninguém pode dizer com certeza o que aconteceu e por que razão os alemães não conseguiram".