A bailarina de Auschwitz: "Fechei os olhos e imaginei que estava a dançar em Budapeste"
Edith Eger tinha 16 anos quando chegou a Auschwitz. Aos 93 anos é uma das últimas sobreviventes do campo de morte nazi.
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É mais conhecida como a "Bailarina de Auschwitz", o nome português do livro autobiográfico que publicou há vários anos. Nascida na Hungria, Edith Eger tem nacionalidade norte-americana e dedicou a vida profissional às vitimas de traumas profundos e stress pós-traumático.
Depois da vitória dos aliados na Segunda Guerra precisou de 40 anos para permitir libertar-se da culpa e da vergonha, mais anos ainda para conseguir contar o que lhe aconteceu. Edith e as duas irmãs sobreviveram ao holocausto, mas os pais não tiveram a mesma sorte.
Numa madrugada de 1944, a família - que residia em Kassa, na Hungria - foi acordada pelos nazis. Até aí tinham passado quase toda a guerra sem saberem o que se passava com os judeus na Europa. Edith sonhava ser bailarina e, até ser deportada, trabalhava diariamente para atingir esse objetivo.
"Não sabíamos de nada. Os meus pais tinham bilhetes para irmos para a América e não os usaram. Não fazíamos ideia do que se estava a passar. Nunca ouvir falar de Auschwitz até ao dia em que cheguei lá e vi a tabuleta a dizer: O trabalho traz a liberdade. Mesmo assim não sabia onde estava até ver o Dr. Mengele, que me separou da minha mãe. Os meus pais morreram nas câmaras de gás nessa mesma noite. Eu vi a chaminé e o fogo sair e disseram-me que eles estavam lá a arder."
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A TSF ouviu Edith há dois anos, uma conversa em que a sobrevivente revelou que precisou de estratégias para fugir ao horror de Auschwitz. A primeira vez que aconteceu foi quando a obrigaram a dançar para o anjo da morte. "Eu fechei os olhos quando dancei para o doutor Mengele e imaginei que estavam a tocar Tchaikovsky. Eu estava a dançar Romeu e Julieta na Opera House de Budapeste."
Aos 16 anos conseguiu ainda imaginar que os verdadeiros prisioneiros do campo eram os nazis: " Eu fazia de conta que, de alguma forma, eram eles que iam pagar com a consciência. Eles eram os prisioneiros e eu não era. Não sei como criei esse mundo dentro de mim. Um mundo em que eles me podiam espancar e atirar para a câmara de gás, mas nunca poderiam matar o meu espírito. Depois eu passei a viver o presente. Nunca me esquecerei do que aconteceu mas não fujo do passado, não o combato e tenho um lugar muito especial no coração - um lugar a que chamo de a minha preciosa ferida."
Antes do fim da guerra, Edith e a irmã foram obrigadas a caminhar entre Auschwitz, na Polónia, e a Áustria. Quando as encontraram já praticamente não tinham sinais de vida. Um soldado americano notou a mão de Edith mover-se ligeiramente numa pilha de cadáveres. A primeira imagem que tem é de uma mão grande e escura que lhe pegou nos dedos e de umas contas coloridas. São vermelhas, castanhas, verdes e amarelas, são para comer... Mais tarde descobre que são M&Ms.
Passados todos estes anos a psicóloga teme o surgimento dos novos movimentos da extrema-direita. Ela não baixa os braços e continua a sentir força para resistir e evitar que sejam criadas condições para um novo holocausto.
Edith Eger acredita que o conhecimento, a empatia e a rebeldia podem contrariar os que olham para o nazismo com saudade. Ela quer ficar conhecida, não como a sobrevivente de Auschwitz, mas como alguém que sempre lutou contra o regresso dos extremismos.