Chega ao fim a viagem do Volkswagen Beetle. Esta quarta-feira, às 11h30 da manhã, o último carocha da terceira geração vai sair da linha de montagem de Puebla, no México. Nos últimos 20 anos, esta fábrica foi o único lugar onde se fabricaram estes modelos.
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No México, o Carocha tem sangue azul. Em 1954, um príncipe alemão, Alfonso de Hohenhole-Langenburg, estreou este carro icónico nas estradas mexicanas. Foi amor ao primeiro arranque. O país tornou-se num dos lugares onde mais carochas se venderam no mundo.
Em 1972, um destes carros do aristocrata europeu foi parar às mãos da família mexicana Bladenieres. Uma lenda familiar diz que o carro azul-escuro que conduziram durante 30 anos foi o primeiro carocha a chegar ao país.
Luis Bladenieres foi o último dono deste "vocho", a alcunha mexicana do Volkswagen Beetle Sedan. Descreve à TSF que este modelo 1954 era, no mínimo, curioso. "Os piscas saíam das portas, como umas mãozitas. Tinha um relógio bem grande no tablier. A reserva do tanque de gasolina era junto ao pedal do acelerador, dava para uns 5, 10 litros."
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Como em muitas famílias mexicanas, o carocha dos Bladenieres foi o companheiro fiel de viagens de férias a Acapulco. Era um carro de batalha, conta Luis. "Uma vez a banda do carro partiu-se, na viagem entre a Cidade do México e Puebla. Para remediar, o meu pai pôs uma corda de sisal e funcionou. Era fantástico. Chorámos quando tivemos de vender o carro."
As aventuras épicas do carocha na América Latina reforçaram o culto a este automóvel. O documentário "Filhos da Pista", de 2014, narra a aventura dos brasileiros Rafael Sawaya e Ivan Charioux ao volante de um "fusca", como lhe chamam no Brasil.
Em 1970, os dois jovens saíram de São Paulo até ao Alasca, ida e volta. Um esticão de 63 mil quilómetros. A primeira paragem foi em Guadalajara, no México, como nos conta Rafael Sawaya. "Viajámos num fusca de São Paulo ao México em 17 dias. O carro portou-se muito bem, teve poucas avarias, e alternávamos a condução [entre os dois] daqui até ao México".
Eram dias de Campeonato do Mundo de Futebol. México 70. Os dois amigos chegaram a Guadalajara a 3 de julho. Mesmo a tempo de ver o Brasil ganhar por 4 a 1 à Checoslováquia. No final, e sem querer, o fusquinha acabou por ser o rei da festa da vitória. "Saíamos com o fusquinha em direção ao hotel onde estavam os jogadores. Quando reparámos, atrás de nós vinha um carro, dois, quinhentos, seiscentos, mil. E à frente iam motocicletas. Todos os mexicanos ficaram a acompanhar o fusquinha"
Quarenta e três anos depois da viagem de Rafael e Ivan, os fotógrafos mexicanos Gustavo Alonso e Cinthia Gámez, puseram uma vez mais um carocha a rodar pela América Latina. Em 2013, a dupla criou o projeto "Nomadarte" - do México em direção a Ushuaia, na Terra do Fogo argentina.
Durante quatro anos, o Carocha branco viajou por 14 países e revelou ter um sentido premonitório único, comenta Gustavo Alonso. "Às vezes achávamos que tinha espírito próprio. Nalgumas alturas não queria arrancar por algum motivo, e depois descobríamos que se tivéssemos ido por uma certa direção, o caminho estava fechado ou havia um incêndio ou outra coisa qualquer. Havia coisas muito mágicas."
Por onde passavam, Gustavo e Cinthia davam cursos de fotografia em comunidades indígenas. A personalidade do "Poderoso", nome de batismo do carocha modelo 97, ajudou-os a quebrar o gelo em muitas ocasiões. "No México há bastantes, mas quando começas a avançar, é muito difícil encontrar um carocha. Então, chama muito a atenção ao longo do caminho, é uma boa forma de fazer amigos e conhecer gente de todo o tipo."
No Brasil e no México, o carinho por estes carros é único. Os "vochos" ou "fusquinhas" ainda fazem parte do dia-a-dia de milhares de condutores. Mais ou menos remendados, a brilhar como novos ou com a pintura enferrujada, nestes países continuarão a pisar o asfalto por muitos e muitos mais quilómetros.