"A fome tinha-os cegado." Faixa de Gaza alvo de roubos, pilhagens e muito desespero
Funcionários de ajuda humanitária e civis testemunham os crimes levados a cabo por grupos de criminosos armados que assaltam padarias, armazéns e reservas de bens alimentares
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Roubos, pilhagens e muito desespero. A Faixa de Gaza está a ser atingida por uma onda de criminalidade, numa altura em que os palestinianos lutam por ter comida.
Bandos de criminosos, de acordo com funcionários de ajuda internacional e testemunhas que falaram com o jornal britânico The Guardian, têm atacado armazéns, reservas de alimentos e outros objetos essenciais à sobrevivência, como carregadores solares, pilhas, telefones e panelas.
Os dois meses de bloqueio total por parte de Israel deixaram o território palestiniano perto do colapso, com muitas famílias a ter direito a apenas uma refeição diária, mesmo que a farinha estragada esteja a ser comercializada por preços exorbitantes em relação ao habitual. O combustível também é escasso e alternativo, como madeira e plástico descartado.
As autoridades de saúde também relatam casos crescentes de desnutrição aguda, com o encerramento por falta de bensdas cozinhas comunitárias que servem mais de um milhão de refeições por dia.
“Quando a fome for declarada, será demasiado tarde. A onda de criminalidade deve-se ao facto de haver 2 milhões ou mais de pessoas desesperadas e traumatizadas, amontoadas e praticamente sem policiamento”, disse um funcionário humanitário.
O jornal britânico expõe assaltos a padarias e cozinhas comunitárias na Cidade de Gaza por grupos de homens armados. Noutro roubo, os trabalhadores de uma organização não governamental (ONG) foram feitos reféns e ameaçados com facas. Nem a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA) escapou, tendo de ser evacuada quando milhares de palestinianos invadiram os escritórios para levar medicamentos. Os saques foram "resultado direto de uma privação insuportável e prolongada", aponta Louise Wateridge, funcionária sénior de emergência da UNRWA.
Anas Raafat, advogado de 25 anos na Cidade de Gaza, testemunha que ele e a família foram acordados por bandos armados que atacaram um armazém de ajuda humanitária perto de sua casa: "Por milagre, nenhum dos membros da minha família ficou ferido. Ficámos deitados no chão por mais de duas horas durante o tiroteio."
Já Ghadir Rajab, de 27 anos, viu o armazém de uma outra ONG ser atacado. "Quando ouvimos o som dos tiros, olhei pela janela e vi pessoas a correr de todas as direcções para invadir o local, à procura de comida e água. Outras estavam a fugir com medo de serem feridas (...) Havia uma mulher à procura do seu filho, mas descobriu que ele tinha sido baleado no ombro. Ela estava a correr na rua a gritar 'o meu filho, o meu filho!'. Implorava por ajuda, mas ninguém prestava atenção, as pessoas estavam concentradas em roubar. A fome tinha-os cegado (...) A maior parte das tendas da nossa zona foram roubadas. Nem sequer tentámos descobrir quem era o ladrão, porque não há polícia, nem presença de segurança", conta.