Luta no Panamá sai à rua há semanas por causa de mina de cobre. Duas pessoas mortas a tiro
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Os protestos contra a exploração por 40 anos de uma mina de cobre pelos canadianos da First Quantum Minerals (FQM) estão nas ruas do Panamá há praticamente três semanas e já foram marcados pela morte de pelo menos dois professores que participavam num bloqueio da autoestrada Pan-Americana.
Tudo começou a 20 de outubro. O Congresso do país aprova um contrato de mineração que tinha sido assinado em agosto pelo executivo do Presidente Laurentino Cortizo e que permite a operação da jazida a céu aberto que ocupa 13 mil hectares de floresta, por 40 anos. O acordo implica, segundo o poder panamiano, uma contrapartida anual de 375 milhões de dólares (350 milhões de euros) a favor do Estado, um valor dez vezes superior ao de um primeiro acordo assinado em 1997 e considerado ilegal porque a concessão aí prevista foi aprovada sem concurso e em condições desfavoráveis para o país.
O governo do Panamá avisa ainda que encerrar a mina acabaria com oito mil empregos diretos e 40 mil indiretos, além de poder provocar um rombo na economia nacional, dado que a FQM investiu mais de dez mil milhões de dólares (9,4 mil milhões de euros) no país e diz pesar já 5% no Produto Interno Bruto (PIB) do país. Desde fevereiro de 2019, a mina a céu aberto, localizada na costa caribenha, tem produzido cerca de 300 mil toneladas de concentrado de cobre por ano, 75% do total das exportações.
Desde aí, ambientalistas, construtores e professores têm levado às ruas aquelas que são as maiores manifestações no país desde a década de 1980, quando foi contestado o ditador Manuel Noriega, bloqueando estradas de tal forma que há já perdas de milhões em setores como o turismo, o comércio, a agricultura e a pecuária. O objetivo é que o Supremo Tribunal de Justiça venha a declarar o contrato inconstitucional e possa dar ao Panamá formas de se defender caso o país tenha de enfrentar a FQM nos tribunais.
Na última sexta-feira, 15 dias depois do início dos protestos, o Congresso aprovou, com 59 votos a favor e duas abstenções, uma moratória sem termo à exploração e extração de metais em todo o país, entregando à justiça - uma vitória para os manifestantes - a decisão final sobre o contrato com a FQM.
A moratória interrompe a tramitação de 103 concessões de exploração e anula 15 prorrogações que estão já em vigor, de acordo com a organização não-governamental Centro de Defesa Ambiental (CIAM), citada pela agência France-Presse.
O Centro Nacional para a Competitividade já alertou que, até 2024, a exploração mineira pode vir a pesar 8,3% na economia do Panamá. A diretora do CIAM, Lilian Guevara, avisa, por isso, que o país "está a dizer não" tanto ao contrato no centro desta polémica "como a esta forma prejudicial e insustentável de desenvolvimento económico".
Esta terça-feira, o caso agravou-se com o assassinato a tiro de dois professores que participavam no bloqueio da autoestrada Pan-Americana. O autor dos disparos tem 77 anos e foi detido pela polícia. Nas redes sociais, as autoridades mostram um homem de cabelo e barba grisalha, com óculos e uma camisa cinzenta, algemado.
Relatos citados pelos média do Panamá dão conta de que o homem estaria farto do bloqueio e que terá dito a outros condutores que ia "acabar com aquilo".
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O episódio levou centenas de manifestantes - professores na sua larga maioria - a vestir-se de negro em luto pelas mortes, empunhando bandeiras do Panamá, ora em silêncio, ora com palavras de ordem contra o Governo.
"Isto podia ter sido evitado pelo governo nacional. Não são apenas os professores que estão muito tristes (...), o povo está nas ruas a dizer 'não' às minas. Para nós, a riqueza são os recursos naturais. Ontem (terça-feira) perdemos dois colegas numa luta nossa muito pacífica", disse à AFP Xisto Díaz, um professor de 54 anos. Um outro docente, Armando Guerra, de 52 anos, acusou o presidente Laurentino Cortizo de estar "indiferente à realidade que o país vive".
Nas estradas, os camiões bloqueados são às centenas. No início desta semana, Edward Martínez, um camionista de 42 anos, estava entre eles. Parado perto de Silimín, na região de Chiriquí, 450 km a oeste da cidade capital do país, falava de uma "tragédia" em curso no país".
"Precisamos das nossas famílias, precisamos dos nossos empregos, estamos a passar um mau bocado", contava, argumentando que ao bloquear as estradas, os manifestantes não "incomodam o governo, incomodam o próprio povo. Deviam protestar onde eles estão, na Assembleia [Nacional], pelo menos, ou em casa dos deputados, ou do Presidente".
Chiriquí produz 80% dos vegetais consumidos no Panamá e na região já faltam alimentos, medicamentos e combustível, sendo que os produtos lá produzidos também não estão a chegar às outras cidades. Os motoristas têm partilhado entre si a comida que têm e tentam passar o tempo até que o trânsito seja reaberto.
Ambientalistas, construtores e professores prometem não sair das ruas até que o novo contrato com a FQM seja anulado: o assunto está com a justiça e veem a moratória apenas como uma pequena vitória.
