A quase-religião albanesa em peregrinação diária: opositor preso em casa já fez centenas de comícios à janela
Há quase um ano que Tirana é palco de uma autêntica peregrinação. Todos os dias dezenas de albaneses ocupam a rua onde mora o até há bem pouco tempo líder da oposição. Sali Berisha enfrenta uma prisão domiciliária por suspeitas de corrupção. Os apoiantes falam em perseguição política
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São 19h00 na capital da Albânia. A grande mesquita da cidade, a maior de toda a região dos Balcãs, já chama os fiéis com recurso a um som tantas vezes audível nos países árabes. Mas, numas ruas ao lado, há outro som que chama um outro tipo de fiéis. Quem se aproxima da rua Mustafa Matohiti, ainda no centro de Tirana, vai ouvindo cada vez melhor o áudio da Syri, a estação de televisão considerada crítica do primeiro-ministro, Edi Rama.
O canal está a ser transmitido num ecrã gigante, montado diariamente para mostrar os comícios do até há bem pouco tempo líder da oposição, Sali Berisha, de 79 anos. Ele mora no prédio em frente. À medida que os segundos passam, a multidão vai-se multiplicando. O entusiasmo aumenta. Sinal disso são os punhos erguidos, cada vez com mais força e entusiasmo.
“Berisha, Berisha”, vão gritando os populares, olhando atentamente para a janela onde o também antigo primeiro-ministro há de discursar em breve. Assim que lá aparece, vêm logo à cabeça as imagens de César na Roma Antiga acenando a quem passa.
Os olhares têm dificuldade em alcançar o último andar e, por isso, concentram-se no ecrã gigante, que transmite o discurso. Mário é um dos mais atentos e explica à TSF o porquê de participar nesta concentração: “Recentemente passei por esta rua e deparei-me com este cenário. Perguntei e disseram-me que era contra a prisão do líder da oposição. Desde aí que me tenho juntado, para mostrar como a Albânia trata a oposição.”
Sali Berisha está preso em casa há 325 dias. Está acusado de abuso de poder por ter beneficiado o genro na privatização de terrenos públicos, quando foi primeiro-ministro entre 2005 e 2009. As investigações ainda prosseguem, mas a justiça colocou-o em prisão preventiva.
“Exigimos que o Berisha seja libertado, porque se não há factos concretos que motivem esta prisão, que, no fundo, é isso, significa que foi uma decisão errada. Esperamos, por isso, que a verdade seja conhecida”, confessa Mário.
Em todos estes apoiantes, há a convicção de que o primeiro-ministro, Ed Rama, está por trás desta prisão. Marilia, que faz parte da comitiva de Berisha, não tem dúvidas de que “há uma motivação política": “Toda a gente sabe que o senhor Rama tem medo do senhor Berisha. Todos os dias ele denuncia aqui as coisas que este Governo faz.”
É assim há quase um ano. Desde que foi preso, contam-se mais de 300 comícios na janela de casa. O assunto é sempre diferente, mas o alvo é o mesmo: Edi Rama.
“Ele é corrupto. Tudo o que faz é a pensar nas pessoas que o rodeiam. Desde os membros do gabinete, aos ministros, aos deputados. Todos enriquecem”, afirma Marilia, que se assume como porta-voz de Sali Berisha.
Há quem acredite que a entrada da Albânia na União Europeia altere o rumo. O país pediu para ser candidato em 2009, mas só cinco anos depois é que recebeu esse estatuto por parte da Comissão Europeia. Desde então as negociações com Bruxelas continuam, ainda que estejam agora na sua fase mais acelerada.
Com a ajuda dos 27, ou sem ela, Mário dá voz à esperança das largas dezenas de pessoas concentradas à porta do antigo opositor do primeiro-ministro: “Só espero que [Edi Rama] não fique durante muito tempo.” O desejo multiplica-se pela legião de fiéis que Sali Berisha ainda tem, apesar de longe do poder que chegou a ter, não só como chefe de Governo, mas também como Presidente da Albânia, entre 1992 e 1997.
A TSF acompanhou estes protestos na última semana, quando a figura da oposição estava ainda em prisão domiciliária. Sali Berisha foi libertado esta quarta-feira, segundo a agência Reuters.
(A TSF viajou a convite da Representação da Comissão Europeia em Portugal)