Os drones russos em espaço da NATO. Bruno Oliveira Martins é investigador e trabalha sobre desenvolvimentos tecnológicos emergentes, práticas de segurança e mudanças sociais. Entrevista no Estado do Sítio da TSF
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Os aeroportos de Copenhaga, capital da Dinamarca, e de Oslo, capital da Noruega, estiveram fechados ao tráfego aéreo durante várias horas no início da semana, devido à presença de vários drones misteriosos. A primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, classificou o incidente como um "ataque grave" à infraestrutura do reino da Dinamarca. O Governo da Noruega anunciou que, até agora, e só este ano, registou violações do espaço aéreo por aviões da Rússia em três ocasiões, em abril, julho e agosto, após dez anos sem incidentes desse tipo. Num comunicado após a condenação pela NATO da violação do espaço aéreo da Estónia pela Rússia, após outros incidentes semelhantes neste mês na Polónia e Roménia, o Governo norueguês denunciou que se trata de um comportamento "irresponsável e inaceitável" por parte de Moscovo.
Bruno Oliveira Martins é investigador do PRIO, o Peace Research Institute Oslo. Trabalha na interseção entre desenvolvimentos tecnológicos, práticas de segurança e mudanças sociais. Trabalha em diferentes projetos sobre tecnologias de segurança emergentes e é investigador associado no Instituto da Defesa Nacional (IDN) em Lisboa. Entrevista no Estado do Sítio da TSF.
Os noruegueses estão a levar muito a sério estas entradas de drones no espaço aéreo do país?
Sim, estão a levar bastante a sério, é importante clarificar que nós, no momento em que estamos a gravar, ainda não temos a certeza absoluta que tenham sido drones russos a desenvolver estas atividades, mas obviamente é muito difícil nós dissociarmos estes desenvolvimentos de outras atividades que têm vindo a acontecer em países na fronteira leste da União Europeia, que é também a fronteira leste da NATO. Obviamente que, nos países da Escandinávia e na zona do Báltico, a ameaça russa é sentida de forma muito diferente. Existem precedentes históricos, mas existem também precedentes atuais ao longo das últimas semanas, dos últimos meses, dos últimos anos, que criam uma lógica e um cenário de guerra híbrida. A guerra híbrida tem-se manifestado ou pode manifestar-se teoricamente num conjunto de ataques que são hostis num país terceiro e que podem criar danos materiais; mas criam sobretudo danos psicológicos na população e isso faz com que a tensão possa ser elevada a um ponto em que ocorrem algumas disrupções nas sociedades que são vítimas desses ataques, mas esses ataques ficam abaixo do limiar da guerra, ou seja, é um tipo de zona cinzenta em que ataques como ciberataques, sobrevoar drones ou outros aviões sobre infraestruturas críticas, violações do espaço aéreo...
Interferência no GPS de aviões, como aconteceu com o voo da presidenta da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, e mais recentemente com o voo que levava, creio que para a Estónia, a ministra da Defesa de Espanha?
Sim, esse tipo de violação dos controles eletrónicos, tanto de aviões como de navios, tem sido frequentes no norte da Noruega, por exemplo, ou seja, existe um conjunto de atividades, não apenas pelo seu âmbito mas também pelo seu número, que se tem verificado ao longo dos tempos, que fazem com que quando surge uma situação como esta, que fecha os aeroportos internacionais de duas capitais europeias, naturalmente seja difícil olharmos para esta questão e vermos apenas um potencial acidente, como tem acontecido com a utilização de drones que levou ao encerramento de aeroportos, isto claramente parece ser mais do que isso.
A Rússia tem usado drones Geran-2, considerados mais letais, com capacidade de alcançar qualquer capital europeia, exceto Lisboa. Conseguem atingir distâncias entre 1800 e 2500 quilómetros. Pode, portanto, Bruno Oliveira Martins, a capital portuguesa ficar descansada, no meio desta guerra híbrida?
A resposta mais simples é não, ou seja, quando nós estamos num contexto em que uma guerra convencional entre a Rússia e a Ucrânia está claramente a criar dinâmicas que vão além do próprio território onde essa guerra convencional está a acontecer, nós entramos numa lógica em que as alianças são fundamentais e Portugal, sendo membro da NATO, sendo membro da União Europeia, obviamente não está de fora da equação. Claro que, vista a partir de Lisboa, a guerra na Ucrânia parece muito longe, parece muito distante, mas Portugal apresenta também algumas vulnerabilidades que são específicas: o facto de ter uma zona marítima tão alargada, ser parte da fronteira oeste da Europa, ter uma área marítima por onde passam cabos que são muito importantes e que são vistos como infraestrutura crítica que alimentam a transmissão de dados, energia, etc. para várias zonas do globo, ou seja, se nós entrarmos numa lógica de guerra híbrida Portugal não pode ser excluído. É muito importante nós pensarmos nesse sentido porque nós quando falamos, por exemplo, em questões como o rearmamento da Europa, a identificação de vulnerabilidades e de falta de capacidade militar dos países da União Europeia, a maior parte das pessoas pensa sempre em função daquilo que poderá ser uma ameaça russa, hoje em dia claramente é nisso que se pensa, e se nós pensarmos apenas nesses termos, efetivamente Portugal parece longe disso, porque a possibilidade de termos uma invasão ou um ataque convencional por parte da Rússia a Portugal é mínima. Agora, se nós entendermos esse tipo de atividades numa lógica bastante mais ampla, se nós entendermos que do ponto de vista da Europa, a Europa não está em guerra com a Rússia, mas para muita gente na Rússia, a Rússia está em guerra com a Europa, se nós efetivamente seguirmos o argumento que diz que um dos objetivos principais por parte da Rússia ao prolongar a guerra na Ucrânia, transformando-o numa guerra de longo prazo, tem como objetivo criar algumas fissuras na unidade europeia, então obviamente Portugal faz parte dessa lógica.
Qual pode ser a resposta da NATO ao que parece ser uma nova estratégia por parte da Federação Russa?
Eu acho que a única coisa que pode servir como dissuasão da Rússia é a NATO emanar uma unidade e uma vontade de não aceitar comportamentos que considere inaceitáveis. Isto pode parecer redundante, mas a verdade é que nós vemos, como foi dito na introdução da peça, que há certa atividade russa em território NATO que nunca aconteceu e que neste momento acontece e nós não vemos por parte da NATO, nomeadamente do seu membro principal, os Estados Unidos, uma capacidade e uma vontade de exprimir uma resolução ou uma incapacidade de aceitar isto, ou seja, nós não vemos a NATO a dizer que 'isto é absolutamente inaceitável e nós não vamos tolerar este tipo de comportamento'. Naturalmente, existem dinâmicas aqui de equilíbrio e gestão da ameaça; por parte da NATO, até agora, não houve a intenção de escalar a retórica do conflito, a ideia sempre foi tentar gerir o conflito de forma a que ele não passe para uma escala ou para uma dimensão superior; e aquilo que nós vemos por parte da Rússia, pelo menos é uma interpretação perfeitamente plausível, é que a Rússia está precisamente a testar os limites daquilo que a NATO considera aceitável.
Estas novas tecnologias mudam muito a forma como as operações se desenrolam no terreno e, perante o quadro que temos, sente-se a necessidade de os países da NATO, e concretamente os países europeus da NATO, desenvolverem também medidas ou contramedidas, se quisermos, acessíveis contra drones de baixo custo, em vez de estar a responder com mísseis ou sistemas de mísseis como os Patriot, que custam milhões de dólares, para drones que custam poucas dezenas de milhares?
Sim, esse é um problema que existe claramente, é uma assimetria que existe no conflito atual ou no conflito internacional atual e não apenas neste caso específico. E é muito importante nós assinalarmos uma dinâmica que é central nisto, em que os drones neste momento são não apenas uma arma ou um recurso fundamental em guerras convencionais, são também uma arma perfeita para a guerra híbrida, porque apresentam determinadas características que o fazem especialmente adequado a esta lógica e essas características são o facto de serem difíceis de detetar, apresentam muitas dificuldades ao nível da atribuição; ou seja, nós neste momento, na altura em que estamos a gravar, já passaram vários dias desde o encerramento dos aeroportos em Copenhaga e em Oslo e nós ainda não temos a certeza quem operou aqueles drones, não é? Ao mesmo tempo em que a utilização dos drones em espaços aéreos civis, em zonas em que não existe um conflito armado a decorrer, aumentam os níveis de stress psicológico na população. A lógica da guerra híbrida é precisamente essa, tentar aumentar a tensão, criar dano psicológico, criar stress na população e nos políticos, de forma que depois essa mesma tensão possa ser explorada por parte daqueles que conduziram os ataques.