O dissidente cubano Guillermo Fariñas acusa a União Europeia e a a Alta Representante da UE para Política Externa, Federica Mogherini, de falta de respeito por todos os que lutam pelos direitos humanos em Cuba.
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Guillermo Fariñas está em Bruxelas. É daqui que critica a própria União Europeia acusando-a de ser cúmplice com regime de Cuba. O dissidente cubano, que em 2010 esteve à beira da morte, numa greve de fome para reivindicar a libertação de presos políticos, do tempo de Fidel Castro, considera que apesar da transição política - agora que o Raul também passou o testemunho em Cuba - a transição democrática continua por se fazer. Com o novo presidente em funções, há quase dois meses, Guillermo Fariñas não vê qualquer perspetiva de mudança no país e admite que a "oportunidade histórica" que a Amnistia Internacional antevia em Cuba, pode não acontecer.
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TSF - A Amnistia Internacional elaborou recentemente uma lista de recomendações, que chamou "transformar o confronto em diálogo", em que descreve neste momento de transição política em Cuba como uma "oportunidade histórica". E, na qual faz referência ao acesso à saúde, a educação e mesmo direitos com uma liberdade de expressão, de reunião e de imprensa. Na sua opinião esta oportunidade, de que fala Amnistia Internacional, está a caminho de ser concretizada?
Guillermo Fariñas - Na minha opinião, não. Os grupos defensores dos Direitos Humanos, tanto dentro de Cuba como no exílio, as organizações não-governamentais, os parlamentos, incluindo este Parlamento Europeu e os governos democráticos desejam isso. Mas, não há uma vontade política, da parte do governo, para fazer uma transição, até uma a reconciliação entre todos os cubanos. Eles querem manter o partido único e quer manter o controlo único da sociedade e não querem ceder em nada.
Então, se bem compreendi, não há uma diferença agora com Miguel Díaz-Canel em relação ao passado?
Não. Não há qualquer diferença. Inclusive, no discurso de posse, Miguel Díaz-Canel deixou bem claro que todas as decisões políticas que ia tomar, ia consultar Raúl Castro. E que se mantinha a construção do socialismo e que o partido comunista continuaria para ser hegemónico. Portanto, não há qualquer mudança.
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Então é uma situação como a que havia antes, com os irmãos Castro, mas agora com outro nome?
Com outro nome. Lembre-se que o verdadeiro poder tem a família Castro Espín. Neste caso, Alejandro Castro Espín. O filho de Raul, que é quem dirige a parte política. O genro [de Raúl Castro] que está casado com a filha dele, Deborah - Luis Alberto Rodriguez Lopez-Callejas - que dirige a parte económica e os investimentos. E, o neto que é o Raúl Guillermo Rodrigues Castro, que dirige o controlo da classe dirigente, a partir da direção de segurança de pessoal. Ele vigia todos os dirigentes do país, para ver qual é o grau de confiança e de fiabilidade, relativamente à família [Castro].
Miguel Díaz-Canel é uma operação de Marketing, para lavar a cara do regime, porque é uma pessoa que não tem as mãos manchadas de sangue e porque não tem apelido Castro. Mas, ele tem uma subordinação a esse governo por de trás dele, composto por estas três pessoas, que são da família de Raúl Castro.
E em relação aos dois regimes Castro, viu diferenças no estilo de governação dos dois irmãos?
Bem, Fidel Castro tinha mais tendência para encarcerar. Raúl Castro teve mais tendência para utilizar o para-militarismo, as incriminações, as detenções curtas - por poucos dias -, porque isso desgasta psicologicamente os adversários. E, Miguel Díaz-Canel tem de demonstrar constantemente que é totalmente fiel à família de Raul. E, por isso, a repressão aumentou. Pode acontecer que não haja muitos presos, mas há muitos detidos, fazendo com que as pessoas tendam a deixar o país.
É uma campanha psicológica?
De desgaste psicológico.
E nisto, como está a população?
Bem, a população está muito desesperançada. Cada dia há menos prosperidade económica. Recorde-se que a Venezuela está a desinflar, com o caos económico. A China afastou-se porque não lhe pagam. A Rússia não pode assumir a situação, por causa das sanções económicas que tem, dos Estados Unidos e da União Europeia. Então estamos a caminho de uma estagnação social, se o governo económico não começar a negociar com os seus próprios cidadãos.
Isso nota-se na rua?
Há muita contestação social. Essencialmente nos lugares onde se procura o que comer - nos mercados agrícolas, nas lojas -, há muita contestação social nos espaços dos transportes públicos.
São protestos por dificuldades visíveis na vida das pessoas?
As pessoas vivem mal. O governo reconheceu que entre 75 a 85% das habitações estão em médio ou mau estado. Reconheceu que os salários apenas chegam para 12 dias. E o mês tem 30. Reconheceu que não há motivação dos jovens para ficarem no país. Então estamos atualmente perante uma crise sociopolítica de grande envergadura.
Então a oportunidade histórica de que fala a amnistia... não existe...
Bem, a oportunidade existe. Mas, o problema é que essa oportunidade depende de duas partes. Depende da oposição e depende do governo. E, o governo não quer ir esse compromisso. A oposição quer.
A nível internacional, como se posiciona este governo?
O governo cubano, atualmente, está a entrincheirar-se. Porque eles sabem que a América Latina está a aproximar-se mais à Direita. Cada vez tem menos cumplicidade. E elas sabem que, em algum momento, a União Europeia vai ter que tomar uma posição crítica aberta, contra o governo cubano, como fez com o governo venezuelano. E, a situação com Estados Unidos cada dia tem vinda piorar, porque não há um presidente dos Estados Unidos. O Congresso dos Estados Unidos não permite qualquer concessão. Disseram que qualquer concessão que façam terá de ter muitas contrapartidas. Ou seja, se vocês derem um passo, nós damos outro, não como fez Obama, que deu muitos passos, mas o governo cubano não deu nenhum.
Relativamente à Europa, você disse muito recentemente em Genebra que a União Europeia não pode ser uma cúmplice de Cuba. A que estava a referir-se. E, que atitude acha que deveria existir no bloco europeu?
Considero que a União Europeia e os mecanismos da União Europeia estão em plena cumplicidade com a ditadura de Raúl Castro e agora de Miguel Díaz-Canel. E, isso podem explicar-se numa única frase: a senhora Federica Mogherini esteve há pouco tempo em Cuba, para fechar um acordo comercial com essa ditadura que nos reprime, e disse que o governo cubano e a sociedade cubana era uma democracia de um só partido. E, creio que isso é uma falta de respeito para com os que estamos a lutar dentro de Cuba, para com os que estão exilados, para com os que foram fuzilados, para com os que estão presos. Penso que é aí que está a cumplicidade.
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A União Europeia tem vindo a apresentar algumas sanções à Venezuela, segundo percebi, defende que a Europa deveria perseguir um posicionamento semelhante em relação a Cuba?
Onde está o problema? O problema está na sanção moral, que é importante dar aos regimes ditatoriais. Podem não ter qualquer efeito. Mas, moralmente, faz com que os que estamos a lutar, seja na Ásia, África, na América Latina ou na Europa, contra algum tipo de violação dos direitos humanos, sabermos que temos solidariedade. E, é isso que estamos a pedir à União Europeia, que tenham solidariedade com Cuba e com o sofrimento do povo cubano. Têm de escolher se vão ser cúmplices dos repressores e dos governantes ou se vão solidarizar-se com os reprimidos e com os cidadãos.
Mas isso quer dizer que a União Europeia deveria aplicar sanções a Cuba tal como faz...
... com a Venezuela.
Mas, no Conselho Europeu a unanimidade que existe relativamente à Venezuela chega a ser frágil. Acredita que seria possível chegar a esse ponto, relativamente a Cuba?
O que lhe posso dizer é que é uma falta de respeito da senhora Federica Mogherini de dizer que Cuba é uma democracia de um só partido. Não existe nenhuma democracia que só tenha um partido.