Viúva de coveiro não tem medo dos mortos, mas diz-se alérgica às aranhas que se passeiam no local. Desempregada, quer ir para junto da filha que mora num lugar distante
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Maria Trindade da Silva, 64 anos, mora em Iguatu, cidade de 100 mil habitantes no interior do estado do Ceará, no nordeste do Brasil – ou, mais precisamente, mora no cemitério de Iguatu.
O cemitério tornou-se a sua morada desde que o marido, Francisco Sobral, recém-falecido, assumiu a profissão de coveiro. Primeiro, o casal morava em casas alugadas nas imediações, depois tornou-se mais acessível viver mesmo no interior do local, com os túmulos por vizinhança.
No início não foi fácil, hoje habituou-se. “Eu pensava que não ia dormir de noite. Imaginava que as almas vinham puxar os meus pés. Mas nunca aconteceu e nunca vi nada que me assombrasse. Ando a qualquer hora da noite aqui e olha que é escuro que só visto. Mas não tenho medo de quem morreu, tenho medo de quem está vivo.”
O problema de se morar num cemitério não é, portanto, o medo, conta dona Maria. Mas há contratempos: primeiro, ter de cuidar de mais de 100 cães e gatos ali despejados por quem não os quer e, depois, as alergias aos insetos, nomeadamente às aranhas-caranguejeiras, que vivem pelo cemitério.
Com a morte do marido, porém, Maria confessa sentir-se, de facto, sozinha e isolada naquele inusitado e silencioso condomínio. De manhã e à tarde tem sempre o que fazer, mas à noite bate a solidão na pequena casa onde convive com os animais, os programas de TV, as fotografias de familiares e os quadros religiosos na parede.
Viúva há três meses, quer mudar-se para São Miguel, no vizinho estado do Rio Grande do Norte, onde mora a filha, mas não tem dinheiro para a viagem. Vive de doações, sem pensões, nem poupança e à espera de ajuda. Em silêncio.
