Entrevista com o MNE a menos de duas semanas do início da presidência portuguesa da União Europeia. A vacinação e o Brexit, relações com EUA, Índia e África. N"O Estado do Sítio da TSF, este sábado.
Corpo do artigo
O sucesso da presidência portuguesa pode depender de quão bem Portugal e os outros países conseguirem gerir o processo de vacinação contra a Covid-19, agora, no início de 2021. Para Augusto Santos Silva, "será certamente um sucesso da presidência portuguesa poder contribuir para que a estratégia de vacinação tal como nós a concebemos, gratuita e universal, se possa - não digo concluir já, durante a nossa presidência, mas...- desenvolver muito já durante a nossa presidência e há todas as condições para isso".
A Agência Europeia do Medicamento reúne o seu comité científico segunda-feira e deverá aprovar a vacina da Pfizer, "para que a aplicação universal dessas vacinas possa começar nas próximas semanas, segundo prioridades estabelecidas em cada país, as nossas são conhecidas, mas de modo a atingir progressivamente toda a população" .
Com a Europa numa espécie de tempo extra depois da compensação nas negociações com o Reino Unido para fechar um acordo de relação futura após o Brexit, até que ponto a presidência portuguesa (e a vida europeia) pode ficar condicionada se não houver esse acordo? Santos Silva confia que o acordo se vá concretizar, mas também diz não acreditar que, por esse motivo, a presidência portuguesa "fique severamente condicionada ou irremediavelmente condicionada. Em primeiro lugar, porque a probabilidade de haver acordo entre a UE e o Reino Unido é uma probabilidade real; as negociações estão a evoluir, ainda há divergências muito importantes em pontos críticos, mas as duas partes não desistiram de chegar a um acordo e ainda temos alguns dias para chegar a acordo".
TSF\audio\2020\12\noticias\19\18_dezembro_2020_o_estado_do_sitio_emissao_
O responsável da diplomacia portuguesa assegura que entre dirigentes europeus e britânicos "a atmosfera é melhor do que era na semana passada". Muito do empenhamento "quer da presidente da Comissão Europeia, quer do primeiro-ministro britânico, esteve em não deixar cair as negociações, não desistir, tentar um acordo". Agora, na eventualidade de não haver acordo, "nós já tomámos ao nível europeu e estamos a tomar ao nível nacional, as medidas de contingência que permitam mitigar os efeitos negativos de não haver acordo".
Augusto Santos Silva admite que "é uma daquelas circunstâncias em que só ao fim do dia é que nós saberemos o que se passou nesse dia". Prognósticos ó no fim do jogo, pois então: "o Hegel costuma dizer que o mocho da sabedoria só levanta voo ao entardecer" e o Brexit é "um caso de aplicação evidente desta máxima hegeliana".
O desenvolvimento do Pilar Europeu dos Direitos Sociais é aquilo que o governante pretende que seja a marca principal da presidência portuguesa: "sim, mas eu diria que espero que a presidência portuguesa tenha duas grandes marcas de água: a primeira é tudo aquilo que está contido no nosso lema, "tempo de agir", no sentido de concretizar, obter resultados". A UE tomou "decisões muito importantes ao longo deste semestre, designadamente sobre os instrumentos financeiros" (a aprovação do plano europeu de recuperação e resiliência e do orçamento plurianual 2021/2027) e, portanto, "no próximo semestre é hora de colocar no terreno esses instrumentos, concretizar as nossas decisões. A segunda marca de água é avançar na agenda estratégica da União Europeia e aí, a nossa ênfase é na necessidade de reforçar o modelo social europeu como uma condição de sucesso da transição verde e transição digital, que são as agendas transformadoras da sociedade, da economia, da administração pública, da educação europeia nos próximos anos".
Há, na equipa da presidência portuguesa de 2021, uma grande expetativa e aposta no que possa vir a sair do encontro entre os 27 e o Primeiro-Ministro indiano Narendra Modi, no Porto a 9 de maio. Um acordo de parceria estratégica a nível europeu e uma série de contratos para empresas portuguesas, a nível nacional, seriam ouro sobre azul do Douro; Augusto Santos Silva faz questão de separar as águas: "distingamos dois níveis: da presidência da UE (PPUE) espera-se que se defenda os interesses comuns e não os interesses nacionais. E é isso que nós faremos enquanto PPUE. Nesse quadro, parece muito importante reforçar o papel global da Europa, como ator líder em várias agendas multilaterais, desde a ação climática ao desenvolvimento sustentável, mas também entendemos que para cumprir esse papel de ator global, a Europa tem de olhar em todas as direções. E por isso, para que o mosaico estivesse completo, nós propusemos que houvesse para o ano um encontro entre a União Europeia e a Índia". Essa cimeira está marcada para a Alfândega do Porto, na tarde de 9 de maio. É uma oportunidade que os 27 não querem desaproveitar, uma vez que, como afirma o MNE português, "desde 2013 que não havia progressos nas negociações de um acordo económico entre a Índia e a UE, e também não havia um diálogo político ao nível necessário. Felizmente, em 2020 já se corrigiu, através de encontros virtuais, ao mais alto nível, entre o presidente do Conselho Europeu, a presidente da Comissão Europeia, e o primeiro-ministro indiano. Mas é muito importante que se realize esta reunião entre todos os líderes europeus e o líder indiano. A Índia é a maior democracia do mundo, significa praticamente, hoje em dia, 1,4 mil milhões de pessoas, é uma das potências emergentes, muito importante em tecnologias da informação e comunicação e um país com quem Portugal tem uma facilidade de relacionamento. Por várias razões, desde o encontro histórico até ao facto de o primeiro-ministro português, que é uma pessoa de origem indiana, ter um relacionamento muito próximo com as autoridades indianas".
O governo português está focado em aproveitar a oportunidade, ainda que Santos Silva realçe que tal será, igualmente, "em favor da Europa e num momento em que as relações com os EUA vão beneficiar de um verdadeiro novo lançamento, num momento em que a relação da Europa com o Reino Unido - agora deixando deixa de ser um estado-membro - seja muito importante, quer no plano económico, no plano da cooperação político-diplomática, ou nos planos da cooperação policial e judiciária; num momento em que decorrem negociações muito importantes entre a UE e a China sobre questões de investimento; num momento em que a Europa subiu ao nível de parceria estratégica a sua relação com o sudeste asiático; num momento em que a agenda das relações com África é muito rica e um novo acordo, pós- COTONU, já está concluído no plano dos entendimentos políticos; é nosso entender que a Europa se relacione bem e de forma próxima com a Índia".
A Índia é hoje um país com evidentes dificuldades em lidar com minorias muçulmanas no seu território, mas isso é algo que, podendo preocupar, é contornado nas palavras de quem vai assumir a próxima presidência do conselho da UE: "todas as dificuldades sentidas por todos causam dificuldades a todos". Agora, refere o sociólogo que também já foi ministro da Educação e ministro da Defesa, não irá a presidência portuguesa "imputar à Índia o exclusivo das dificuldades vividas, sejam elas com minorias étnicas, religiosas, de respeito pelas minorias étnicas e direitos humanos, no combate à violência de género e contra as mulheres. Quer dizer, quem olhe com atenção para a UE, percebe que hoje em dia também no espaço europeu temos problemas sérios, com a forma como as minorias étnicas são tratadas, com a forma com aqui ou ali a liberdade religiosa é respeitada; com a forma como o estado de direito é cumprido, com a forma como os direitos humanos e as liberdades (de imprensa, de associação) e de independência dos tribunais são respeitadas". Santos Silva deixa o alerta: "não nos coloquemos na posição eurocêntrica, hoje em dia completamente obsoleta, segundo a qual nós concentramos todas as virtudes e os outros concentram todos os defeitos".