Agricultores: “Somos pedra no sapato dos decisores que pensam em nós só quando há uma cimeira”
Uma manifestação de agricultores no arranque da 10.ª Cimeira Europeia das Regiões e Cidades, em Mons, na Belgica, preocupados com a política agrícola comum, a pressão da transição ecológica e com o impacto da futura entrada da Ucrânia para a UE.
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Um desfile de cerca de dezena de tratores estacionados junto ao local da cimeira aqui na cidade belga de Mons. Patrick Pype é dirigente da federação de agricultores da Valónia e fala em frente ao português Vasco Cordeiro, que preside ao Comité Europeu das Regiões: “O que esperamos aqui é que sejamos a pequena pedra no sapato dos decisores que pensam sempre em nós de cada vez que há uma cimeira. Como é que eu posso colocar isto numa cimeira europeia para que não se esqueçam que, de facto, é importante que o mundo agrícola seja ouvido e que sejam tomadas medidas para mudar a situação. Porque em breve não haverá mais gente nos campos, nas explorações agrícolas”.
A Ucrânia e aquilo que sofre há mais de dois anos continua a gerar solidariedade entre os europeus, mas os agricultores portugueses não esquecem o outro lado da moeda: “Geopoliticamente falando, a guerra na Ucrânia desestabilizou todos os mercados e tivemos inflação energética. Os fertilizantes quintuplicaram e, entretanto, o preço do nosso trigo caiu para metade do que era. Já não podemos pagar importações maciças de produtos. É compreensível que tenhamos de ajudar a Ucrânia. Mas não são apenas os agricultores que precisam de ajudar a Ucrânia. Obviamente, trata-se sobretudo da nossa atividade, quer se trate de trigo ou de carne de outras regiões que não têm as mesmas normas”.
Sentem que os planos de alargamento da UE constituem “um problema. É um assunto difícil de estimar. Há 20 anos, quando os outros países da Europa de Leste aderiram, também tivemos grandes receios. Depois, finalmente, eles aderiram e não correu muito mal. Atualmente, no entanto, o contexto geopolítico é diferente, a Rússia tornou-se muito poderosa em termos de agricultura. A produção russa de trigo mais do que duplicou em dez anos, o que significa que, automaticamente, estão em concorrência direta com a nossa produção e, claro, com a produção ucraniana. Mas, como resultado, a produção ucraniana é despejada nas nossas regiões e isso desestabiliza totalmente o nosso mercado. E, como resultado, eles não conseguem sobreviver financeiramente. Mas nós também não. Está tudo a ir abaixo”.
Queixa-se, igualmente, do excesso de regulamentação na agricultura europeia, principalmente “em termos ambientais, mas também em termos de utilização de pesticidas. Temos cada vez menos oportunidades de utilizar produtos fitofarmacêuticos”. E, com isso, há uma “perda de rendimento nos nossos campos, em toda a Europa, nalguns países mais do que noutros”. Além de que, por razões de proteção ambiental e de saúde dos consumidores, “certos produtos foram retirados, provavelmente com razão. Mas ao nível das medidas ambientais, e também ao nível dos resíduos dos produtos agrícolas, nós cumprimos. Se os produtos agrícolas não cumprirem, só servem para uma caldeira. E o agricultor que foi apanhado neste joguinho, bem, a sua quinta, é posta em baixo. Para além disso, há camiões que vêm com produtos que não cumprem estas normas”.
Vasco Cordeiro ouviu as queixas e mostrou-se sensível aos argumentos destes agricultores belgas da Valónia: “Penso que ninguém duvida da necessidade e da importância de questões como a luta contra as alterações climáticas e os aspetos ambientais, mas isso não pode ser feito sacrificando apenas um sector, como o dos agricultores, em benefício de todos”. O antigo presidente do governo regional açoriano afirmou estar “muito em contacto com esta realidade porque a região de onde venho é uma região onde a agricultura, principalmente a produção leiteira, tem uma presença muito forte em termos económicos”. E puxou pela questão familiar: “Sou filho de um agricultor. Venho de uma família de agricultores e compreendo claramente as dificuldades e os desafios que enfrentam atualmente. Do ponto de vista do Comité das Regiões, as regiões e as comunidades locais estão bem cientes dessas dificuldades, porque são as primeiras a enfrentá-las”. Reiterou o compromisso de agir com os agricultores, as suas realidades e as realidades dos desafios que enfrentam. Do ponto de vista do Comité, “a posição é muito simples. É uma questão de equidade. Não sacrificar alguns dos nossos agentes económicos para cumprir os objetivos que beneficiam todos”. Cordeiro entende que urge “encontrar um equilíbrio em que questões como o rendimento, como a equidade no que diz respeito aos seus preços de produção sejam asseguradas vis-à-vis com a importância de alcançar os objetivos que nos beneficiam a todos, incluindo os agricultores, incluindo o sector agrícola”, como são as medidas adotadas para combater as alterações climáticas.
Mas admite que “há uma outra questão que também está relacionada com a intervenção nacional e os governos nacionais. É a necessidade de simplificar, de tornar as coisas mais simples, precisamos de encontrar um equilíbrio entre preservar a importância e os objetivos que este tipo de procedimentos pretendem alcançar, mas também e principalmente dar-vos a possibilidade de fazerem o que sabem fazer melhor, que é produzir. Isto não é uma coisa que num passe de mágica se resolva, mas é importante que momentos como este permitam” ajudar a resolver os problemas. Este é um processo, refere o presidente do PS-Açores, que “requer a cooperação e requer um trabalho comum, não apenas da União Europeia. É esse o meu compromisso enquanto Presidente do Comité das Regiões. Aceitar os vossos pontos de vista, pegar naquilo que partilharam connosco, apresentá-los como já fizemos no passado recente, para que salientemos a necessidade de olhar para a situação dos agricultores em toda a Europa. Não estamos a dizer que as alterações climáticas ou a Ucrânia, ou o mundo não são importantes; claro que são, mas não pode ser feito sacrificando uma das componentes fundamentais da nossa economia e da nossa sociedade”.
Pype está preocupado com a agricultura que vai existir para os jovens profissionais do sector: “Infelizmente, não tomamos suficientemente em conta os problemas dos agricultores atuais, mas sobretudo dos jovens que vão ter de seguir as nossas pisadas. Daqui a um mês, faço 63 anos. Eu só devo trabalhar até aos 67 e espero que as pessoas me possam suceder”. Consegue estar otimista em relação ao futuro? “Sou moderadamente otimista, mas para que os jovens possam continuar, eu tenho de me sacrificar um pouco”.
Num momento crítico para os agricultores europeus, um protesto pacífico, muito calmo, antes do arranque da cimeira que reúne muitos daqueles que governam as terras onde os agricultores trabalham.