Germano Almeida, autor de quatro livros sobre presidências americanas, faz na TSF uma contagem decrescente para as eleições nos Estados Unidos. Uma crónica com os principais destaques da corrida à Casa Branca para acompanhar todos os dias.
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1 - DESGRAÇA AMERICANA - OS EUA ENTRARAM EM EMERGÊNCIA DEMOCRÁTICA. O debate de Cleveland é um reflexo de quatro anos de era Trump. Perda de respeito pelas instituições. Perda de respeito pelo outro. Algo de muito profundo se perdeu: basta rever uns minutos dos debates de 2012 e 2008 Obama/Romney e Obama/McCain, ou até os de 2004 Bush/Kerry e 2000 Bush/Gore. Sete em cada dez americanos ficaram "irritados" depois de terem visto o debate. E com razão. O que se viu foi penoso. Perturbador. Foi a prova de que lama arrasta lama. Trump, Presidente dos EUA, a desrespeitar regras básicas que tinha assinado. Quando se vai para um debate, há pressupostos que se achavam básicos. Biden perdeu a oportunidade de se manter num plano elevado. Mostrou não ser Michelle Obama, a democrata que prometia: "Quando eles baixam de nível, nós subimo-lo". Joe não conseguiu - sobretudo quando Donald foi à jugular e tocou no ponto fraco do adversário: os filhos. Que baixaria. "Shitshow".
2 - DESMONTANDO JOE BIDEN. A fragilidade de nomear um candidato com quase 78 anos para um arco temporal que pode ser de oito destaca-se por si mesma, não precisa de ser reforçada. Mas, para além disso, será Joe Biden um candidato assim tão fraco? Como senador, em quase quatro décadas no Capitólio, montou uma rede parlamentar notável, formada pelo essencial dos democratas, mas também com pontes importantes com os republicanos. Eram outros tempos - o tempo em que era possível pensar a política americana de forma bipartidária. Como senador, Joe bateu-se pela classe média, definindo-se como um "tipo normal que vai todos os dias de comboio de casa para o trabalho". Trump sabe que essa ligação de Biden ao americano real é uma verdadeira ameaça à sua aposta de conexão no eleitorado do Midwest, que pode decidir a eleição. Mas Joe Biden é muito mais do que isso. Foi um fiel número dois de Barack Obama numa Casa Branca tão diferente da atual, entre janeiro de 2009 e janeiro de 2017. Assumiu papéis relevantes nas negociações com o Congresso, tentando colmatar a falta de paciência que Obama tinha em lidar com a inflexibilidade dos líderes republicanos no Congresso. Evitou "shutdowns", negociou orçamentos, fez política.
Joe é tudo o que Donald não é. Sabe falar com o outro lado da barricada. Tem um passado longuíssimo na política. Não é brilhante, mas é confiável. Apresentou legislação defensora da classe média, acredita na progressividade fiscal, não é tão radical como a ala esquerda nas propostas de redução das desigualdades, mas não alinha no "mantra" republicano de que se baixarmos os impostos aos mais ricos vamos criar mais emprego. Numa era de discursos extremados e quase nenhuma vontade de ouvir o outro lado, uma possível vitória de Joe Biden será uma espécie de última oportunidade que os americanos pretendem dar à moderação, ao bom senso e ao centrismo político. Mesmo que essas noções continuem a estar em risco de extinção.
UMA INTERROGAÇÃO: Será que vai haver condições para decorrerem mais dois debates entre Trump e Biden?
UMA SONDAGEM: Biden 50-Trump 42
(Economist/YouGov, 27/30 setembro)
*autor de quatro livros sobre presidências americanas