Germano Almeida, autor de quatro livros sobre presidências americanas, faz na TSF uma contagem decrescente para as eleições nos Estados Unidos. Uma crónica com os principais destaques da corrida à Casa Branca para acompanhar todos os dias.
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1 - DUAS TRIBOS
"Os Estados Unidos estão muito tribalizados. O conceito cada vez mais usado na Ciência Política é esse. Dantes falava-se muito em polarização, agora fala-se em tribalização, que é uma espécie de polarização extrema. Há dois grupos sociais, políticos e identitários claramente distintos, que têm duas visões radicalmente diferentes e irreconciliáveis sobre o país e o seu futuro, percecionando-se mutuamente como o inimigo, o mal. Há duas tribos. Uma, pró-Trump, que considera que ele tem razão em tudo o que pensa, diz e faz e é quase o salvador da pátria, que estava a ser "roubada" por uma certa esquerda radicalizada. Outra, anti-Trump, para quem ele tem ideias perigosas e contrárias à identidade norte-americana, é o culpado de tudo o que de mau acontecesse no país, que está a ser descaracterizado. Esta tribalização faz com que, de alguma maneira, os eleitorados já decidiram em quem é que vão votar. E não vai haver grande transferência de voto a partir daqui."
O diagnóstico é feito por Tiago Moreira de Sá, professor na FCSH/Nova, investigador no IPRI e autor de vários livros sobre política dos EUA (incluindo "Donald Trump - O Método no Caos", este em coautoria com Diana Soller).
"O que temos visto é que o Trump pode dizer o que quiser - e tem dito muito e tem feito muito - e não perde a sua base de apoio", acrescenta Moreira de Sá. "Estamos a falar de quatro ou cinco por cento da sua base de apoio que não se sabe se vai votar em Trump, o que é importante, porque se essa parte da base de apoio não votar nele e votar em Biden, isso pode fazer a diferença sobre quem ganha a eleição", nota, para depois ressalvar:
"Do outro lado é que não sabemos qual vai ser o efeito anti-Trump na mobilização das pessoas. Sabemos que há algum, pelos estudos de opinião, mas não sabemos se é o suficiente para irem votar em massa nos estados decisivos".
E como explicar a aparente imunidade de que Donald Trump goza junto da sua base, independentemente do que diga ou faça? Tiago Moreira de Sá aponta: "Nas tribos, os seus elementos não questionam o líder tribal. Obedecem ao líder tribal. Por outro lado, mesmo as pessoas que não gostam especialmente de Trump, gostam muito menos dos outros. E quem é que são os outros? É o sistema. E Biden, para muita gente, é o sistema. Não tanto como era Hillary, mas é o sistema e está na política há 40 anos".
"Trump, que veio de fora da política com a promessa de limpar o sistema, é o porta-voz do "povo puro" contra a "elite impura", que é a ideia base dos movimentos populistas", remata o autor de obras como "História das Relações Portugal-EUA (1776-2015)" ou "Os Estados Unidos da América e a Democracia Portuguesa".
2 - TRUMP E OS RUSSOS
A proximidade de Trump com Putin marca a história da ascensão do atual Presidente dos EUA. Mas é importante explicar que ela não corresponde, em rigor, a uma alteração da posição de Washington em relação a Moscovo.
Tiago Moreira de Sá nota: "Uma boa parte dos republicanos, mas talvez mais a elite do que o votante, são muito anti-russos. Eram e continuam a ser. Aliás impediram que Trump fizesse a política que queria para a Rússia, que era afastar a Rússia da China, quebrando aquela quase aliança que há entre Moscovo e Pequim, aproximando-se ele próprio da Rússia, de modo a que EUA e Rússia juntos, equilibrassem a ameaça da ascensão da China. E não foi capaz, porque foi travado pelos próprios republicanos, desde logo no Congresso".
Em 2012, o então nomeado presidencial republicano (e hoje senador pelo Utah e dos poucos republicanos de topo a fazer frente a Donald Trump), Mitt Romney, elegia, no duelo com Obama, a Rússia como "inimigo número 1 da América".
Oito anos depois, o panorama mudou substancialmente. E fletiu de Moscovo para Pequim. "O efeito que a Rússia tem hoje na política eleitoral americana parece que se esvaziou", observa Tiago Moreira de Sá. "Durante a Guerra Fria era uma das grandes questões. O grande consenso que havia no eleitorado americano dos dois partidos era o consenso anti-russo. Agora transferiu-se para a China. É visível nas elites, vê-se em Biden e em Trump, que o grande consenso na América de hoje é o consenso anti-China", conclui o professor de Relações Internacionais.
UMA INTERROGAÇÃO: Que "tribo" terá mais força nas eleições de 3 de novembro?
OS PRESIDENTES DOS EUA ENTRE 1989 E 2020
41 - George H.W. Bush (1989-1993) Vice-Presidente: Dan Quayle
Partido: Republicano
Foi congressista pelo Texas, líder do Comité Nacional Republicano, chefe da Comissão de Ligação EUA/China, Embaixador nas Nações Unidas, Diretor da CIA, vice-presidente nos oito anos de Reagan (para quem perdeu as primárias republicanas de 1980). Eleito com grande maioria contra Mike Dukakis, liderou os EUA na Segunda Guerra do Golfo, mas teria frase comprometedora para a reeleição: "Read my lips: no new taxes" (leiam os meus lábios: não vou criar novos impostos). Teve que o fazer e perdeu em 1992 para um jovem governador do Arkansas.
42 - Bill Clinton (1993-2001) Vice-Presidente: Al Gore
Partido: Democrático
Eleito com apenas 43% do voto popular, beneficiou da cisão do eleitorado conservador, entre a tentativa falhada de reeleição de Bush e a campanha anti-fiscal do multimilionário Ross Perot. Liderou a América em oito anos de grande prosperidade económica e avançou para a revolução digital. Mas viu a sua presidência manchada pela condenação de "impeachment" na Câmara dos Representantes, só não consumada pela falta de dois terços no Senado.
43 - George W. Bush (2001-2009) Vice-Presidente: Dick Cheney
Partido: Republicano
Chegou à Casa Branca depois da eleição mais renhida da história presidencial americana. Perdeu o voto popular por 500 mil sufrágios, mas bateu Al Gore por poucas centenas de votos na Florida, o que lhe bastou para vencer no Colégio Eleitoral. Depois de ter sido um governador do Texas com apoio bipartidário, foi eleito presidente numa plataforma de "conservadorismo compassivo". O 11 de Setembro marcou viragem, passando a ser dominado pelos "neocons" que o levaram à invasão do Iraque, feita sob pressupostos falsos. Obteve segundo mandato já com forte apoio popular, mas saiu da presidência com níveis de aprovação abaixo dos 35%.
44 - Barack Obama (2009-2017) Vice-Presidente: Joe Biden
Partido: Democrático
Primeiro negro a atingir a Casa Branca, depois de ter sido o terceiro senador negro desde a Reconstrução. Obteve duas grandes maiorias presidenciais, sendo o primeiro Presidente desde Reagan a obter por duas vezes mais de 50% dos votos. Conseguiu aprovar a maior reforma da saúde em meio século, desde a Grande Sociedade do Presidente Johnson. Liderou os EUA no pós recessão 2007-2010, iniciando caminho inédito de uma década seguida de crescimento económico e criação de emprego (continuada nos primeiros três anos de Trump e só travada pela maior pandemia num século).
45 - Donald Trump (2017 - pelo menos 2021) Vice-Presidente: Mike Pence
Partido: Republicano
Primeiro Presidente dos EUA sem qualquer experiência política e/ou de liderança militar. Empresário ligado ao ramo imobiliário e depois aos mercados financeiros, atingiu notoriedade nacional pela via do grande entretenimento dos "reality shows". Operou uma revolução no Partido Republicano, impondo uma plataforma identitária, ultranacionalista e nativista, com forte cunho populista. Primeiro presidente americano a fazer um mandato inteiro sem nunca atingir pelo menos 50% de aprovação.