Germano Almeida, autor de quatro livros sobre presidências americanas, faz na TSF uma contagem decrescente para as eleições nos Estados Unidos. Uma crónica com os principais destaques da corrida à Casa Branca para acompanhar todos os dias.
Corpo do artigo
1 - NÃO HAVERÁ FLORES
Um dos livros que li nas férias foram as memórias políticas de Diogo Freitas do Amaral, "Mais 35 anos de Democracia - Um Percurso Singular - Memórias Políticas III (1982-2017)". Tal como tinha acontecido com os primeiros dois volumes (o primeiro ainda nos anos 90, o segundo há cerca de uma década), gostei muito do modo pormenorizado como o ex-líder do CDS e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, falecido há quase um ano, conseguiu relatar uma história de vida que se confunde com a evolução política do último meio século português. No excelente capítulo que recorda a campanha presidencial 85/86, em que partiu à frente e quase ganhou à primeira volta, acabando por perder na reta final para Mário Soares na segunda volta, por uma unha negra, Freitas revela um episódio que, apreciado aos olhos de hoje, neste 2020 de polarização extrema e ódios diversos -- com um Presidente incumbente na América a garantir que nunca na vida aceitará uma derrota e a decretar fraude mesmo antes do processo se ter realizado - soa a uma refrescante lembrança de que a política ao mais alto nível também pode ser um duelo entre dois grandes senhores. A campanha Soares/Freitas, sabem bem os leitores mais velhos, foi dura, intensa e até teve um debate televisivo quente e agressivo. Freitas ficou magoado com Soares por aquilo que considerou ser "um golpe baixo" desferido no último dia de campanha: "Os dez minutos de campanha de Mário Soares na televisão foram todos utilizados a contar o "caso" do Primeiro de Janeiro - um jornal que me tinha sido oferecido pelos seus anteriores proprietários, para que o CDS tivesse um jornal no norte". Havia salários em atraso no jornal e Freitas era apontado no tempo de antena de Soares como o responsável por isso, algo que o candidato do centro-direita considerava injusto (no livro explica porquê, página 72, para quem quiser ler mais sobre o tema). "Foi um golpe baixo. Não apenas por dizer meia-verdade, mas sobretudo por ter sido desferido contra mim no último dia da segunda volta, a uma hora a que eu já não podia responder, nem prestar quaisquer esclarecimentos, porque o dia seguinte era sábado de reflexão: não pude explicar-me. Contra os princípios do Estado de Direito, fui acusado sem me ser dado o direito de defesa". Ora, isto levou a que Freitas não dirigisse a palavra a Soares durante mais de um ano, até que Soares viesse a pedir-lhe desculpa, numa fase em que já era Presidente e o quis convidar para uma visita a Belém. O resto da História é conhecido: Soares ganharia a segunda volta por pouco, anos depois Freitas e Soares viriam a tornar-se grandes amigos, muito próximos com almoços e conversas regulares, até à morte de Mário Soares. Tudo isto para contar o ponto que faz ligação a esta corrida presidencial americana 2020: "Na segunda-feira seguinte (à eleição de Mário Soares e à minha derrota), 17 de fevereiro de 1986, pelas 11h, recebi na nossa casa de Cascais um enorme ramo de flores, com mais de um diâmetro, acompanhado de um cartão muito simpático de Mário Soares a dizer: "Muitos parabéns pela brilhante campanha que fez. Do seu amigo e admirador, Mário Soares". Foi um gesto elegante e cavalheiresco, que não me surpreendeu da parte de quem veio, mas de que não estava à espera, e que naturalmente apreciei. Isto apesar do golpe baixo sofrido no último dia da campanha, a propósito do problema do Primeiro de Janeiro. (...) Nunca fui, nem antes nem depois das presidenciais de 1986, um soarista. Fui, sim, amigo pessoal de Mário Soares (...) Nunca confundi, nem confundo, política com amizade. Pode ser-se adversário político e amigo pessoal, ou não? Claro que pode (...) Eu sabia muito bem o que fazer se ganhasse, mas também sabia o que fazer se perdesse". Ora, quem acompanha o atual momento da política americana - e sobretudo o modo de atuar do atual Presidente dos EUA e nomeado presidencial republicano - sabe que nada disto será possível após 3 de novembro. Não haverá flores oferecidas pelo vencedor ao vencido, de certeza. Se houver vencedor claro já nem será mau.
2 - QUASE DUAS DÉCADAS DEPOIS
A 11 de setembro de 2001, o mundo mudou. Os EUA perderam a inocência e perceberam que podiam mesmo ser atacados dentro do seu território. Faz hoje 19 anos, já foi há quase 20 anos. Desde aí, Bush criou duas guerras (Afeganistão e Iraque) e o seu sucessor, Obama, chamou à primeira "uma guerra de necessidade" e à segunda "uma guerra estúpida". A verdade é que oito anos de Obama na Casa Branca não chegaram para conseguir tirar os americanos em definitivo do
atoleiro do Afeganistão. E o pós Iraque foi um trauma primeiro muito violento e, anos mais tarde, que levaria, em conjunto com os estilhaços da guerra na Síria, à criação do assustador Daesh de inspiração jihadista sunita. Nestas quase duas décadas, a opinião pública americana ficou progressivamente mais intolerante à ideia de aceitar os custos de guerras que não lhes digam diretamente respeito. Trump surgiu nesse ambiente: em plataforma anti-intervencionista, isolacionista, a criticar o modo como Bush levou os EUA para o Iraque e a criticar Obama por não ter acabado o trabalho. Pelo meio, o poder político em Washington lá resolveu, finalmente, a injustiça de anos de não reconhecer as vítimas colaterais do 11 de setembro (os "first responders" que ficaram doentes com problemas respiratórios gravíssimos, outros com cancros no sangue) e foi aprovada pelo Congresso e assinada pelo Presidente Trump uma lei que prevê ajuda permanente a quem ficará marcado para sempre por esse dia. Certo, certo é que o agora Presidente Trump, na altura uma figura do jet set de Manhattan, disse em direto a uma TV de Nova Iorque, a 11 de setembro de 2001, logo a seguir à queda da segunda torre: "Pelo menos a Torre Trump agora é a mais alta de Nova Iorque". Não era, claro. Ainda restava o Empire State Building e mais umas quantas.
UMA INTERROGAÇÃO: Estará o Texas, estado onde o nomeado democrata só venceu uma vez nas últimas 12 (Carter em 1976), mesmo em aberto em 2020?
UM ESTADO: Texas
Resultado em 2016: Trump 52,2%-Hillary 43,2%
Resultado em 2012: Romney 57,2%-Obama 41,4%
Resultado em 2008: McCain 55,5%-Obama 43,7%
Resultado em 2004: Bush 61,1%-Kerry 38,2%
(nas últimas 12 eleições presidenciais, 11 vitórias republicanas, 1 vitória democrata)
-- O estado do Texas tem 29 milhões habitantes: 41,2% brancos, 39,7% hispânicos, 12,9% negros, 5,2% asiáticos; 50,3% mulheres
38 VOTOS NO COLÉGIO ELEITORAL
UMA SONDAGEM: Texas | Biden 46-Trump 46
(Morning Consult, 29 agosto/7 setembro)