America Countdown… 58 dias. O mito do "grande empresário" e quadros referenciais opostos
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Germano Almeida, autor de quatro livros sobre presidências americanas, faz na TSF uma contagem decrescente para as eleições nos Estados Unidos. Uma crónica com os principais destaques da corrida à Casa Branca para acompanhar todos os dias.
1 - A ILUSÃO DO "GRANDE EMPRESÁRIO", ESSE MANTRA AMERICANO
Donald Trump tem um percurso marcado pelo egocentrismo empresarial, com o único objetivo de fazer dinheiro e salvar a face, sem olhar ao interesse coletivos. Foi à falência quatro vezes e usou os acordos feitos com a autoridade tributária para ganhar com isso, sem se preocupar com os direitos dos seus funcionários que perderam os empregos. Representa a América que olha para o dinheiro e para o sucesso empresarial acima de tudo, sem ter em conta os valores morais ou políticos. Para perceber Trump não basta olhar para a fortuna que tem: é fundamental compreender a forma como conseguiu ser uma figura mediática e do espetáculo, sobretudo na última década e meia, como apresentador do "Celebrity Apprentice". Se Kennedy foi o primeiro Presidente da TV e Obama o primeiro Presidente da Internet, Donald Trump é o primeiro presidente "reality TV". O atual Presidente dos EUA é, essencialmente, alguém que vende bem o seu nome (Torre Trump, Avião Trump). Milhões de americanos continuam a acreditar que ele é "o homem mais rico da América". Ora, de acordo com a lista da Forbes de outubro de 2018, Donald Trump detém a 259.ª maior fortuna norte-americana. Isso significa que tem mesmo muito dinheiro - mas está longe de poder sonhar em ser "o homem mais rico da América". Geralmente, os magnatas financiam os políticos para beneficiarem na sombra com a influência adquirida, através do dinheiro, junto do poder político. Trump é o primeiro caso, na alta política americana, de um magnata que consegue passar para o lado do poder (ainda que outros, como Ross Perot, já tenham tentado...), porque a sua principal ambição passou a ser a de conhecer o poder. Se Barack Obama inspirava pelo exemplo e pelo percurso pessoal, Donald Trump foi premiado pela vaidade e pela ambição desmesurada. É uma espécie de "mundo ao contrário": afinal de contas, o Presidente dos EUA devia ser alguém visto como "o melhor de todos" (o mais inteligente, o mais corajoso, o mais eloquente, o mais patriota, o mais honesto). Donald não é nada dessas coisas gloriosas ou sofisticadas. Esqueçam. Isso é para as "elites". O ponto que muitos demoraram a perceber é que uma parte muito significativa do eleitorado americano, mesmo conhecendo de ginjeira os defeitos e os pecados de Donald, olhou para ele e viu aquilo que gostava de ser e ter - mas nunca irão conseguir na vida: riqueza, egocentrismo, mulheres vistosas, poder desmesurado decorrente do dinheiro e da notoriedade.
2 - QUADROS REFERENCIAIS OPOSTOS
"Ao abastardar a linguagem, Donald Trump mudou as regras do jogo. Portanto, eu acho que as palavras, as declarações e até os tweets têm importância. A forma como a comunicação política se faz importa muito. E os democratas liberais de centro-esquerda, anti-Trump, ainda não perceberam isso, não sabem como responder a Trump e à linguagem que ele usa, cheia de mentiras, vulgaridades, caricaturas e insultos. Houve um momento incrível num dos debates televisivos em que Jeb Bush disse a Donald Trump: "Você vai insultar toda a gente até se tornar Presidente". E foi exatamente isso que ele fez. Trump compreendeu o poder do ódio", escreve Simon Schama, historiador político, autor do livro "O Futuro da América". Enquanto Obama foi dizendo, na última década, "We are all in this together" (estamos todos juntos nisto), Trump arenga: "I alone can fix it" (eu resolvo isso sozinho). É todo um quadro referencial oposto: Barack tinha visão coletiva da resolução dos problemas comuns; Donald acena com devaneios autoritários de um "strong man" capaz de passar por cima dos processos de verificação e contrapoderes das sociedades mais avançadas. Pode parecer atraente este canto de sereia que pinte alguém a aparecer com super poderes, resolvendo rapidamente tudo o que nos inquieta e amedronta. Sucede que uma sociedade como a americana tem nas suas contradições uma das suas grandes forças. É diversa, heterogénea e funda-se numa dinâmica que progride nessa contradição. O problema do "America First" do pseudo "strong man" Trump é que há muito que os EUA não podem dominar o mundo sozinhos. As decisões nunca são unívocas. As consequências do disparate Trump ainda não estão ao nosso alcance, mas deixarão sequelas muito difíceis de sarar. "Donald Trump vive nesse mundo de fantasia onde só as suas emoções contam e, portanto, só a sua realidade é real. Mas também diz aos outros: "A vossa realidade não é real"", nota Stephen Colbert.
UMA INTERROGAÇÃO: Que peso terá o tema de imigração e do controlo de fronteiras nos resultados eleitorais de 3 de novembro?
UM ESTADO: Virgínia Ocidental
Resultado em 2016: Trump 68,6%-Hillary 26,5%
Resultado em 2012: Romney 62,3%-Obama 35,5%
Resultado em 2008: McCain 55,7%-Obama 42,6%
Resultado em 2004: Bush 56,1%-Kerry 43,2%
(nas últimas 12 eleições presidenciais, 7 vitórias republicanas, 5 vitórias democratas)
-- O estado da Virgínia Ocidental tem 1,8 milhões habitantes: 92,0% brancos, 1,7% hispânicos, 3,6% negros, 0,8% asiáticos; 50,5% mulheres
5 VOTOS NO COLÉGIO ELEITORAL
UMA SONDAGEM: Virgínia Ocidental | Não há sondagens para aquele estado | O modelo preditivo da Economist prevê mais de 99% de probabilidades de vitória Trump na Virgínia Ocidental
*autor de quatro livros sobre presidências americanas