America Countdown… 76 dias. A desfaçatez como tática repetida (e cola e cola e cola...)
Germano Almeida, autor de quatro livros sobre presidências americanas, faz na TSF uma contagem decrescente para as eleições nos Estados Unidos. Uma crónica com os principais destaques da corrida à Casa Branca para acompanhar todos os dias.
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1 - UMA TÁTICA REPETIDA: DECLARAR VITÓRIA NO FRACASSO ABSOLUTO
Donald Trump tem uma tática que repete com particular consistência - e desfaçatez. Quando o atacam com argumentos aparentemente irrebatíveis, responde com violência. Quando comete um erro que todos viram cria logo a seguir uma outra polémica ainda mais sonora -- e assim consegue fazer esquecer a anterior. Se perde declara vitória: mesmo que todos os factos à sua volta desmintam qualquer possibilidade de triunfo. Se perde rotundamente, decreta de forma ainda mais violenta. O que é desestruturante para quem ainda acredita nos méritos da coerência, do bom senso e da busca de consensos é que os métodos de Trump são eficazes para uma percentagem muito significativa do eleitorado americano. Ora, o que Trump explorou ao limite na campanha presidencial 2016 foi a narrativa de que ele, que nunca havia ocupado um cargo político eleito, surgiu para "drenar o pântano" e derrotar o "establishment político". Parece quase uma piada, vindo de alguém que durante décadas financiou esse mesmo "establishment", que já chegou a ser do Partido Democrata e que usou um dos dois partidos do sistema para obter a nomeação presidencial. Mas a alta política americana nunca para de nos surpreender. Os americanos elegeram em 2016 para Presidente um egocêntrico patológico. Donald Trump é o tipo que, no dia 11 de setembro de 2001, disse em direto na TV, pouco depois de ter caído a segunda a torre: "Pelo menos agora a Torre Trump volta a ser o maior edifício de Nova Iorque". Para lá disso, obviamente, não ser verdade (pelo menos o Empire State Building ainda era maior...), uma resposta dessas, num momento como aquele (do maior ataque de sempre à América) revela uma personalidade perturbadoramente egocêntrica. Um egocentrismo patológico. Como é que, uma década e meia depois, um egocêntrico patológico conseguiu chegar à Casa Branca? E será que há mesmo o risco de renovar o mandato por quatro anos?
2 - QUALQUER OUTRO PRESIDENTE JÁ ESTAVA CONDENADO
"Com qualquer outro Presidente, em qualquer outro momento, a reeleição de Donald Trump estaria condenada", aponta Stephen Collinson, na CNN. "Um segundo mandato de Trump levará o sistema político e cultural dos EUA para uma versão americana de "Orbanismo", avisa Ben Rhodes, conselheiro-adjunto de Segurança Nacional na Administração Obama, em artigo na The Atlantic. "Não é claro que a democracia americana sobreviva a uma reeleição de Trump e também não é claro que sobreviva, se ele não for reeleito", aponta Lawrende Douglas, autor do livro "Will he Go?". "Trump é o mais fraco homem forte do mundo", sentencia Stephen Walt, professor de Harvard. Donald Trump foi avisado em janeiro pelos seus próprios conselheiros e assessores do que poderia estar para vir. Voltou a ser avisado em fevereiro. Adiou, minimizou, negou. Só começou a agir em março. O número de mortes nos EUA são o retrato da tragédia americana que o atual Presidente não só não minimizou como agravou. Como foi possível Donald Trump ter dito o que disse sobre os desinfetantes e os raios UV? E como é possível que ainda haja quem tente contextualizar, relativizar, normalizar, desdramatizar? Como? Há um ponto prévio para se iniciar esta conversa fundamental. É claro que Trump não disse aquilo da boca para fora. O que ele, essencialmente, quis fazer foi chegar a um segmento minoritário -- mas muito significativo -- da sociedade americana que deixou, pura e simplesmente, de se preocupar com o conhecimento. Muitos por falta de acesso, outros por darem primazia à crença em relação ao método científico. Convém lembrar que 38% dos americanos acreditam que beber cerveja Corona pode ser uma forma de contrair Corona (vírus). A dimensão da percentagem não é casual - é mais ou menos essa a base fiel e indestrutível de Trump. Uma base movida pela ignorância, pelo poder destruidor - mas persuasivo -- da mentira, da noção enganadora de que "se vamos atacar e minimizar quem nos critica temos a situação controlada". Não interessam os factos, não interessam os valores básicos de civilidade. É preciso mergulhar no caldo de cultura que está instalado nesses quase 40% da sociedade americana para se perceber (um bocadinho, pelo menos) a loucura em que estão emergidos. Uma loucura investida por suposta legitimidade presidencial. Levou, nos últimos anos, ao aumento preocupante dos crimes de ódio da supremacia branca. Levou ao ataque a jornalistas. Levou ao ataque a quem se preocupa com o Clima e o futuro do planeta. Levou ao ataque à Ciência, aos investigadores, ao conhecimento. A pandemia trocou-lhes as voltas. É que desmentir mortes é mais complicado. E quem morre não pode continuar a mentir e a atacar quem está certo, objetivamente certo. A pandemia, de súbito, mostrou à evidência como é decisivo respeitar a Ciência e seguir o que de melhor ela nos traz.
UMA INTERROGAÇÃO: Em 2016, apenas 55% dos possíveis votantes foram às urnas. Que percentagem de participação terá a eleição presidencial 2020?
UM ESTADO: Maryland
Resultado em 2016: Hillary 60,3%-Trump 33,9%
Resultado em 2012: Obama 62,0%-Romney 35,9%
Resultado em 2008: Obama 61,9%-McCain 36,5%
Resultado em 2004: Kerry 56,0%-Bush 43,0%
(nas últimas 12 eleições presidenciais, 9 vitórias democratas, 3 vitórias republicanas - AS 7 ÚLTIMAS FORAM DEMOCRATAS)
-- O Maryland tem 6,1 milhões habitantes: 50,0% brancos, 10,6% hispânicos, 31,1% negros, 6,7% asiáticos; 51,6% mulheres
10 VOTOS NO COLÉGIO ELEITORAL
UMA SONDAGEM: Maryland - Biden 59/Trump 35
(Gonzales Reaearch & Marketing Strategies Inc 19-23 maio