America Countdown… 78 dias. A diabolização da China vai perdurar (mesmo com um Presidente Biden)
Germano Almeida, autor de quatro livros sobre presidências americanas, faz na TSF uma contagem decrescente para as eleições nos Estados Unidos. Uma crónica com os principais destaques da corrida à Casa Branca para acompanhar todos os dias.
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1 - CHINA, TEMA CENTRAL. Perante a estratégia de expansão do Presidente Xi e consequente ascensão económica e de influência de Pequim, que tem vindo a reduzir a distância dos chineses para o primeiro lugar, que ainda é americano. Esse movimento gerou uma reação de Washington, com o atual presidente americano a ter escolhido para sua plataforma eleitoral uma hostilidade à China que, mesmo sem o efeito real que o eleitorado desejava, mostra comportamento de travão à ameaça que os chineses representam ao domínio americano. Este duelo vai perdurar por vários anos. Os chineses têm sobre os americanos a vantagem da população (quase cinco vezes mais), numa ironia sobre o que é percecionado pelos eleitores Trump (acham que a "ameaça" são os imigrantes) e o que acontece na realidade (o problema real nos EUA não é a pressão migratória, é o oposto, a falta de população na maior parte dos estados). Enquanto a China tem um projeto de expansão estratégico a longo prazo ("Uma Faixa, Uma Rota", a várias décadas). A China era a 11.º economia mundial no final da década de 70, a décima no final dos anos 80, a sétima no final dos anos 90, a terceira pelo final da primeira década deste século (ultrapassaria o Japão por 2009 no segundo lugar). Terminou a década 10/19 em segundo, com grande vantagem sobre o terceiro e já com pelo menos 65% do total do PIB dos EUA (o FMI prevê que termine já próximo dos 80%, se terminar o ano com 16,8 mil milhões de euros, a apenas 4,4 mil milhões dos 21,2 dos EUA). Será questão de tempo até atingir a liderança mundial. Visto doutra forma: a China duplicou a sua riqueza entre 2010 e 2019 (aumento de 112%); a América também ficou mais rica, mas desacelerou esse crescimento (subida de 30%). Olhemos para o que nos interessa mais: as relações dos dois gigantes económicos com a UE. Um terço do comércio que a União Europeia faz com o resto do mundo é com EUA e China. Mas se pelo início da década essa soma tinha os americanos com esmagadora vantagem (24% para 9% da China), os anos 10 terminam com quase paridade entre EUA e China nas suas relações comerciais com a Europa (EUA 17%/China 16%). A soma dá, nos dois casos 33% -- mas enquanto os americanos perderam 29% do seu peso relativo no total do comércio com a Europa (de 24% para 17%), os chineses dispararam 78% (de 9% para 16%), descolando, nestes dez anos, de japoneses e russos. Nesse sentido, Trump está a apostar tudo na diabolização chinesa, culpando a China pela origem da pandemia. Biden, menos hostil na parte da pandemia, mantém oposição à China na rivalidade comercial e empresarial com os EUA. Não se espere o fim da rivalidade Washington/Pequim se Joe Biden ganhar em novembro.
2 - TRAVAR A AMEAÇA. Pode até parecer racional que Trump tenha escolhido a China como o grande rival a abater pelos americanos, dentro da lógica de tornar "a América grande outra vez". Tendo em conta o modo como os chineses se comportaram na última década, desrespeitando regras da OMC e depreciando artificialmente a sua moeda para obter vantagem nas trocas comerciais, até faria algum sentido compensar esse desvio chinês com uma guerra comercial. Sucede que a guerra de tarifas contra Pequim tem efeito recessivo que faz ricochete nos Estados Unidos, pelo simples facto dos EUA serem o país mais dependente da evolução do comércio internacional no global. O investimento chinês nos EUA caiu 90% nos 12 meses anteriores à pandemia, pelas ondas de choque da guerra comercial iniciada por Trump contra Pequim. Guo Ping, chairman da Huawei, avisou em Lisboa, na Web Summit 2019: "Seria melhor que não houvesse a hostilidade americana. Mas teremos que saber lidar com ela. Estamos a caminhar para um mundo de duas vias tecnológicas, dois sistemas, duas grandes plataformas. Se não pudermos caminhar em conjunto, caminharemos em paralelo. Não vamos parar". O comportamento errático de Trump dá mensagens contraditórias aos mercados e às empresas, que só um armistício durável poderá sarar. Os chineses precisam quatro vezes mais dos americanos que o contrário entre o que compram e o que vendem - mas as duas partes precisam uma da outra para continuarem a crescer como os dois gigantes do comércio internacional. A tendência da década que agora começa será a de que a China continue a reduzir a diferença para os EUA - sendo que em áreas como a Inteligência Artificial até estará a liderar. Não é impossível que pelo final desta década estejamos a anunciar ultrapassagem da China em relação aos EUA em PIB - mas ainda não em PIB per capita (é mais de seis vezes superior nos EUA, 60.000 dólares, que na China, 9.000; mas há uma década essa diferença era superior a dez -- 48.375 nos EUA, 4560 na China; os chineses quase duplicaram o PIB p/capita em dez anos) e muito menos em índices como Conhecimento (18 das 20 melhores universidades americanas continuam a ser americanas, as outras duas são inglesas, nenhuma é chinesa). O nosso mundo continuará a ser "americano" por mais algumas décadas nas referências culturais, no consumo de entretenimento. Mas a década que iniciou com o abalo da pandemia poderá ditar a vitória da China nas empresas, no investimento e no crescimento da riqueza. Mesmo que continuemos a não compreender a mentalidade de controlo e de anulação do indivíduo que Pequim exerce sobre quem lá vive.
UMA INTERROGAÇÃO: Em que medida um Presidente Biden será diferente do estilo Trump no modo americano de lidar com a ascensão chinesa?
UM ESTADO: Illinois
Resultado em 2016: Hillary 55,8%-Trump 38,8%
Resultado em 2012: Obama 57,6%-Romney 40,7%
Resultado em 2008: Obama 61,9%-McCain 36,8%
Resultado em 2004: Kerry 54,8%-Bush 44,5%
(nas últimas 12 eleições presidenciais, 7 vitórias democratas, 5 vitórias republicanas - AS ÚLTIMAS 7 FORAM DEMOCRATAS)
O Illinois tem 12,7 milhões habitantes: 60,8% brancos, 17,8% hispânicos, 14,6% negros, 5,9% asiáticos; 50,9% mulheres
20 VOTOS NO COLÉGIO ELEITORAL
UMA SONDAGEM: Illinois não se fizeram ainda sondagens para a eleição presidencial no Illinois | o modelo preditivo da Economist prevê mais de 99% de probabilidade de vitória Biden no Illinois
*autor de quatro livros sobre presidências americanas