America Countdown... dia eleitoral. Quatro razões que explicam porque 2020 não será 2016
Germano Almeida, autor de quatro livros sobre presidências americanas, faz na TSF uma contagem decrescente para as eleições nos Estados Unidos. Uma crónica com os principais destaques da corrida à Casa Branca para acompanhar todos os dias.
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1 - QUATRO RAZÕES QUE EXPLICAM PORQUE 2020 NÃO SERÁ 2016. Sim, em 2016 "as sondagens também diziam que ia ganhar a Hillary e depois ganhou o Trump". E sim, ainda é possível que Trump possa ter um "boost" final pelos números do crescimento económico do terceiro trimestre e pela tal "espiral do silêncio" (votantes seus que tenderão a não dizer nas sondagens que vão votar Trump). Mas os dados ao detalhe das sondagens finais revelam um panorama mesmo muito favorável à eleição de Joe Biden. Vamos pôr a confusão da contagem dos votos por correspondência de lado (ainda farei um texto final sobre isso) e focar-nos na análise pormenorizada das sondagens finais desta corrida presidencial:
A) BIDEN ESTÁ EM MUITO MELHOR POSIÇÃO DO QUE HILLARY ESTAVA NA VÉSPERA DA ELEIÇÃO 2016. Está melhor nas mulheres, melhor nos homens, melhor nos brancos, melhor nos negros, melhor nos mais velhos, melhor nos mais novos, melhor no eleitorado com instrução, melhor no eleitorado sem instrução. Não lidera em todos esses segmentos, mas aparece melhor do que Hillary estava em todos eles. Nos brancos sem estudos superiores, por exemplo, Trump bateu Hillary por 62/34. E só aparece com 56/43 contra Biden. Mas a grande mudança é nas mulheres brancas: Trump bateu Hillary nesse segmento por 52/43. Em 2020, é Biden quem lidera por 52/43 nas mulheres brancas (NYT/Siena Poll). E, por isso, está também melhor que Hillary no Midwest, no Sul e na Florida. Ora, como se lembram, Trump ganhou a Hillary por uma unha negra nos três estados que decidiram a eleição (Pensilvânia, Wisconsin, Michigan).
B) TRUMP PERDEU APOIO EM TRÊS SEGMENTOS QUE LHE FORAM FUNDAMENTAIS NOS ESTADOS DECISIVOS. As mulheres, o eleitorado suburbano, os mais velhos. Biden aparece claramente à frente nesses três tipos de eleitores, Trump bateu Hillary nesses mesmos três e agora perderá. Biden lidera nas mulheres brancas com estudos superiores, segmento onde Trump ganhou por pequena diferença.
C) ISTO NÃO É UMA REPETIÇÃO DE 2016. A COMPOSIÇÃO DOS ELEITORADOS DOS ESTADOS DECISIVOS MUDOU. A coligação Trump é composta por brancos pouco qualificados. Esse segmento viu perder, nestes quatro anos, 359 mil pessoas na Florida e 431 mil pessoas na Pensilvânia. Já a coligação Biden (brancos com estudos superiores e minorias étnicas), aumentou, desde 2016, 1.5 milhões na Florida (!) e 449 mil na Pensilvânia.
D)TRUMP NUNCA FOI MAIORITÁRIO E NUNCA PROCUROU ALARGAR A SUA BASE DE APOIO. Donald Trump é o primeiro Presidente a fazer um mandato inteiro sem conseguir ter algums vez metade da América a apoiá-lo e o Presidente com menor taxa de aprovação média desde que há medição diária do desempenho dos presidentes americanos. Ganhou há quatro anos com menos 2,8 milhões de votos que a adversária e apenas 46,2% dos votos expressos. Optou por governar não tentando alargar a base de apoio e fixando-se num discurso divisivo e "tribalista". Ora, uma opção deste tipo tem consequências. Em 2020, a base Trump, que já tinha ganho por muito pouco, é hoje bem menos (pelas razões que explico na alínea c). E só mesmo por uma supressão gigantesca do voto potencialmente maioritário "anti-Trump" daria para voltar a garantir uma maioria presidencial de 2020. É "possível". Mas muito improvável.
2 - PODE TRUMP AGUENTAR UMA DERROTA? Será uma das grandes questões desta noite eleitoral. Os sinais até agora são os de que não aceitará, caso perca. E que pretende lançar o seu "povo" para a rua, sob a bandeira (errada) da "fraude". Mas pode não ser assim tão claro. Se a diferença for muito grande, é de admitir que só mesmo um núcleo minoritário dos apoiantes Trump esteja disposto a contestar nas ruas uma derrota óbvia, sob o manto de conspirações absurdas tipo "QAnnon". Uma coisa é que isso vá propagando na parte oculta da "rede", outra é que consiga dominar, nas ruas, os atos físicos de milhões de pessoas. São coisas muito diferentes. É claro que há grupos, já identificados, ligados à supremacia branca e agora também ao negacionismo da pandemia (e contestação a medidas como o uso de máscara), que apoiam Trump e o veem como "salvador" de um suposto "plano maquiavélico" da elite no poder, simbolizada pelos políticos de Washington (que pela via da candidatura Biden poderão estar de regresso à Administração americana). E pode até haver focos de perturbação e violência pós eleições. Mas calma. Os EUA têm regras, têm leis, têm tribunais e têm militares. Quem ganhar tomará posse a 20 de janeiro de 2021. Se for Biden a ganhar o Colégio Eleitoral, até pode haver recursos para os tribunais e muita gritaria nos media e na rua. Mas podem crer: será Joe Biden a tomar posse a 20 de janeiro de 2021. Donald Trump tem um ego suficientemente grande para não se prestar a fazer a figura de se recusar a sair da Sala Oval, caso percas nas urnas (nunca na vida daria o gosto aos adversários de permitir uma foto de ser tirado à força pelo exército...) Se Trump perder sairá pelo próprio pé. Mesmo que por agora vá fazendo tiradas absolutamente irresponsáveis, do estilo: "Eles acham que vão ganhar, mas tenho a certeza que vão perder, nem que seja preciso o Supremo Tribunal agir uns dias depois da eleição". Donald Trump, que nos anos anteriores à Casa Branca se prestou a ser o rosto do disparate do "birtherism", flirta com extremistas, não os reprova e emite sinais em público de encorajamento e validação a grupos como os Proud Boys ou os QAnnon. Donde, não tem credibilidade, muito menos um comportamento responsável. Sucede que é Presidente dos EUA e, depois de quatro anos de um rol de irresponsabilidades e ataques à verdade, à urbanidade, à boa convivência democrática, ainda tem hipóteses de obter a reeleição. No dia da eleição. Sinal dos tempos. Veremos se por muito mais tempo.
UMA INTERROGAÇÃO: O que fará Donald Trump se perder?
PROBABILIDADES DE VITÓRIA
FIVE THIRTY EIGHT: Biden 89-Trump 10
ECONOMIST: Biden 95-Trump 5
EL PAIS: Biden 85-Trump 15
MERCADOS DE APOSTAS
DINHEIRO NA VITÓRIA JOE BIDEN: 64,7%
DINHEIRO NA VITÓRIA DONALD TRUMP: 34,5%
*autor de quatro livros sobre presidências americanas