America Countdown...66 dias. A "bomba-relógio" que muitos insistem em não querer ouvir
Germano Almeida, autor de quatro livros sobre presidências americanas, faz na TSF uma contagem decrescente para as eleições nos Estados Unidos. Uma crónica com os principais destaques da corrida à Casa Branca para acompanhar todos os dias.
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1 -BOMBA-RELÓGIO. NÃO ESTÃO A OUVIR? COMO ASSIM?
Não é preciso encontrar figuras de estilo para definir a gravidade dos tempos que vivemos: eles próprios se definem por serem particularmente graves. Mas convinha que os eleitores norte-americanos tivessem a verdadeira noção da "bomba-relógio" que têm nas mãos: será que vão permitir, em novembro, mais quatro anos na Casa Branca de alguém que não é bem um Presidente dos EUA? E terão a noção do risco que, neste momento, representará uma derrota de Trump nas urnas, atendendo aos sinais que o atual Presidente norte-americano dá de não vir a aceitar pacificamente uma saída do poder? Os Estados Unidos são o país mais afetado pela maior pandemia num século - e tiveram o azar de que isso tivesse acontecido precisamente no momento em que o Presidente menos capaz e mais imprevisível em várias décadas se prepara para, custe o que custar, doa a quem doer, atacar a sua reeleição em novembro. Não se trata de proteger o "bem comum" ou, sequer, os interesses do país que lidera. Trata-se de satisfazer o seu desejo pessoal e muito também pelo receio que uma saída do poder poderia ter nos seus negócios.
2 - DO TEA PARTY À CAPITULAÇÃO TRUMPIANA
Em 2007, numa altura em que se perspetivava um duelo "nova-iorquino" nas presidenciais de 2008 entre Hillary Clinton e Rudy Giuliani (antecipação precipitada, claro, porque meses depois o duelo seria entre Barack Obama e John McCain), Donald Trump até dizia preferir Hillary a Rudy, em entrevistas televisivas que deu. O tanto que mudou no cenário político americano desde aí chega a ser difícil de perceber na sua total dimensão. Os anos Obama levaram a um extremar de posições da Direita americana. O Partido Republicano, em crise de identidade há uma década (desde o final a pique do segundo mandato presidencial de George W. Bush), começou a ganhar aversão a políticos do "establishment" e mais focados no centro político, e passou a estar cada vez mais vulnerável a aventuras populistas. O Tea Party, movimento que reivindica o "regresso" do poder ao povo americano, numa crítica acérrima às práticas de Washington, baseando as suas posições numa leitura literal, quase bíblica, da Constituição americana, fletiu a agulha ideológica do Partido Republicano para um extremo, fazendo secar o centro e a moderação. Se, em 2012, Mitt Romney, o único candidato do "establishment", ainda conseguiu obter a nomeação (embora sem conseguir gerar grande entusiasmo das bases republicanas e depois de umas primárias em que se viu forçado a dizer coisas muito mais radicais do que eram as sua ideias), em 2016 o panorama resvalou para uma situação quase surreal. Donald Trump, multimilionário com um império na área dos media e do imobiliário, dono da Trump Organization e da Trump Entertainment Resorts, simboliza, para muitos, o sonho americano levado ao paroxismo. A sua fortuna colossal não lhe garantiu um percurso imaculado nos negócios: já declarou quatro vezes bancarrota, desde o início dos anos 90 (a última foi em 2009), mas sempre com um plano para regressar ainda mais em grande - embora com o foco nos lucros, não na salvação de empregos, algo que o governador da Pensilvânia, Tom Wolf , lembrou eloquentemente na Convenção Democrata de Filadélfia. América no seu estado mais cru, no melhor e no pior. Como deu para ver na (assustadora) Convenção Republicana que confirmou a nomeação presidencial de Donald Trump.
UMA INTERROGAÇÃO: Em 2008, Barack Obama perdeu o Missouri por menos de 0.1% Será que Joe Biden pode desafiar este território "republicano" a Donald Trump?
UM ESTADO: Missouri
Resultado em 2016: Trump 56,8%-Hillary 38,1%
Resultado em 2012: Romney 53,8%-Obama 44,4%
Resultado em 2008: McCain 49,4%-Obama 49,3%
Resultado em 2004: Bush 53,3%-Kerry 46,1%
(nas últimas 12 eleições presidenciais, 3 vitórias democratas, 9 vitórias republicanas)
- O Missouri tem 6,2 milhões habitantes: 79,1% brancos, 4,4% hispânicos, 11,8% negros, 2,2% asiáticos; 50,9% mulheres
10 VOTOS NO COLÉGIO ELEITORAL
UMA SONDAGEM: Missouri | Trump 50-Biden 43
(YouGov, 23 junho/1 julho)
*autor de quatro livros sobre presidências americanas