Depois da vitória esmagadora da Nobel da Paz, Aung Sang Suu Kyi, nas eleições, a Amnistia Internacional diz que vai ser precisa "muita vontade política" para colocar a questão dos direitos humanos no topo da agenda do novo poder.
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Laura Haigh é investigadora da Amnistia Internacional. Regressou há pouco mais de uma semana da sexta viagem à Birmânia. Durante quinze dias, percorreu algumas das zonas mais críticas, incluindo o Estado na costa oeste onde vivem os Rohingya, perto de um milhão de pessoas de origem muçulmana, que as Nações Unidas já chamaram de "o povo que o mundo esqueceu".
Nas ruas de Rangoon, a maior cidade de Myanmar - também conhecido como a antiga Birmânia -, e em todos os locais por onde passou, Laura Haigh encontrou um "otimismo moderado" perante a anunciada subida ao poder de Aung Sang Suu Kyi.
Ainda assim, são muitos - sobretudo as diversas minorias - os que não escondem a preocupação. Querem perceber "até que ponto é realista acreditar que a NLD, o partido de Suu Kyi, vai mesmo conseguir mudanças no terreno e a curto prazo".
Cresce o número de prisioneiros de consciência
A Birmânia é um país com "um número infindável" de problemas de direitos humanos. Laura Haigh encontrou muitas situações que se arrastam no tempo e que não parecem ter solução à vista. Dá o exemplo da perseguição aos Rohingya, do desrespeito pelas leis humanitárias em muitas zonas de conflito étnico, ou das limitações à liberdade de expressão e de manifestação pacífica.
E nem a preparação das eleições de novembro fez com que este cenário melhorasse. Pelo contrário, conta a investigadora da Amnistia. "Só no mês anterior às eleições, foram feitos 19 novos prisioneiros de consciência. Entre eles, um ativista que foi preso por causa de um post no Facebook".
Daí, que a organização sublinhe que a situação em Myanmar é ainda "muito frágil" e que espere mesmo que estas detenções aribrárias continuem nos próximos meses.
Rohingya: uma situação "insuportável"
São cerca de um milhão. Vivem na costa oeste do país, a maioria em autênticos "campos de concentração", sem liberdade de movimentos e sem qualquer direito de cidadania.
Laura Haigh conta que, no início do ano, o Presidente decidiu retirar-lhes o chamado "cartão branco", uma "espécie de bilhete de identidade". Não lhes garantia a cidadania, mas permitia-lhes identificarem-se. A decisão acabou também com os poucos direitos que tinham e impediu-os de votar. Por isso, "estão basicamente sem qualquer representação, embora sejam, de facto, muitos".
De acordo com dados recentes da ONU, perto de meio milhão de elementos da comunidade Rohingya precisa de ajuda humanitária urgente. Vivem privados de liberdade de movimentos, o que tem "consequências na procura de emprego, impede o acesso das crianças à educação e das mulheres a cuidados básicos de saúde".
Laura Haigh descreve uma situação "insuportável" que tem contribuído, de forma significativa, para o aumento do número de refugiados que fogem em barcos sem quaisquer condições. Muitos fogem apenas em direção à morte.
E pode esta "imensa minoria" confiar em Aung Sang Suu Kyi, a Nobel da Paz de quem tanto se espera? A representante da Amnistia Internacional diz que também entre os líderes rohingya, há algum "otimismo moderado".
Mas Laura Haigh confessa que "vai ser precisa muita vontade política". Por agora, "não vimos qualquer garantia concreta" de que o novo poder birmanês tenha intenção de colocar este assunto "no topo da agenda".