André Rodrigues à TSF. "Os EUA de Trump estão numa deriva autoritária que nos deve preocupar a todos"
Eurodeputado considera que UE não pode “infantilizar” Donald Trump e ser “benevolente e condescendente” com o seu “discurso beligerante”
Corpo do artigo
O eurodeputado André Rodrigues (PS), membro efetivo da delegação do Parlamento Europeu para a relação entre a União Europeia e os Estados Unidos, assume “grande preocupação” perante as mais recentes declarações de Donald Trump, de não excluir a correção militar para anexar a Gronelândia e assumir o controlo do Canal do Panamá.
Entrevistado no programa Fontes Europeias, da TSF, a menos de duas semanas da eleição de Donald Trump na Casa Branca, o eurodeputado defende que a União Europeia deve preparar-se para construir uma maior autonomia.
Quando às afirmações de Trump sobre as questões territoriais, o eurodeputado considera que não podem ser toleradas pela União Europeia. “É importante que nós tenhamos cada vez mais a noção de que nós não podemos ter alguma condescendência com aquela que é a política central do novo Partido Republicano, liderado por Donald Trump, e que nada tem a ver com aquilo que era a ideia que os europeus estavam habituados a ter do partido republicano que foi o partido de Regan e o partido de Bush e de outros dirigentes conhecidos norte-americanos”, frisou o eurodeputado, confessando a sua “grande preocupação”, face ao discurso de Trump.
“Temos de começar a ter uma perspetiva que procure não infantilizar o Presidente Trump. Aqueles que pensam que os ‘checks and balances’, das instituições norte-americanas, irão funcionar de forma a conter os abusos verbais do Presidente norte-americano, talvez seja bom olhar para aquilo que foi a composição da sua primeira administração e aquela que tem vindo a ser anunciada como a composição da sua nova administração”, alertou.
“A propósito desse apetite por territórios de outros Estados soberanos, nomeadamente, relativamente à Gronelândia, que, como sabemos, tem riquezas em termos de recursos minerais muito apreciáveis, bem como o apetite já manifestado pelo Canal do Panamá, Donald Trump fundamentou essas duas situações como sendo essenciais, isto estou a citar, para a segurança económica dos Estados Unidos”, detalhou, dizendo que este caso prático o remete para um exemplo teórico “preocupante”.
“Isto fez-me lembrar um velho conceito que, no século XIX, foi lançado pela primeira vez por geógrafo alemão no seu nome, Friedrich Ratzel, e que lançou o conceito do ‘espaço vital’ que mais tarde foi aproveitado inclusivamente por Adolf Hitler no livro ‘Mein Kampf’, e que dizia que o império alemão precisava de ‘espaço vital’ onde pudesse reunir todo o seu povo para poder suprir as necessidades e ter as riquezas naturais e minerais necessárias”, frisou, remetendo para a dificuldade em decifrar a intenção das declarações de Trump.
“Não sabemos o que significa a necessidade de ter novos territórios para garantir a segurança económica dos Estados Unidos da América. O que me parece é que existe um efeito muito negativo de comparativamente àquilo que é hoje a utilização desta expressão por parte do presidente eleito dos Estados Unidos da América”, afirmou André Rodrigues, considerando que há um impacto, dado o papel dos EUA enquanto “aliado indispensável da Europa e da União Europeia, face a outras forças beligerantes com tendências autoritárias e que os Estados Unidos”.
“Os Estados Unidos hoje estão numa deriva autoritária que nos deve preocupar a todos. E não devemos olhar para essas declarações com benevolência, nem com condescendência, mas sim com muita preocupação”, frisou, admitindo que a União Europeia enfrenta “um grande problema”.
“É indispensável que a União Europeia tenha de olhar para o problema da segurança e da defesa como problema próprio. Tem de olhar de forma a ter essa discussão que é indispensável e que é inadiável, inclusivamente, não só sob o prisma daquilo que está a acontecer na Ucrânia, mas no prisma de mais de médio e de longo prazo, num contexto em que existem pressões sobre os regimes democráticos e a democracia, como sabemos, é sempre muito frágil na sua própria defesa”, afirmou.
“Como farol da democracia, como farol dos valores e dos direitos humanos, a União Europeia tem de ser mais autónoma e mais independente na sua capacidade de poder gerir alianças e de poder também ter uma afirmação no mundo em defesa dos seus valores e dos seus interesses”, defendeu o eurodeputado.
O deputado entende que o investimento em defesa “é uma discussão que nós temos que ter, inevitavelmente, (...) pois, hoje, vivemos, por ventura, o momento mais desafiante das últimas décadas ou mesmo do século, desde a Segunda Guerra Mundial, face àquilo que são as transformações e ao crescimento de movimentos populistas e extremistas e da direita radical”, sublinhou, considerando que “há uma certa condescendência, uma certa banalização, uma vez que nós estamos a ser permanentemente bombardeados com esses conceitos, com essas informações, com esses crescimentos de forças populistas, demagógicas, extremistas, que têm uma visão do mundo e uma evidência que coloca sempre a tónica no nós e os outros”.
“É importante que a União Europeia possa preparar-se para ser um pouco mais autónoma, ter condições de poder estar presente na grande discussão no palco mundial por si e estar menos dependente de quem já provou no passado que pode ou não oferecer a segurança que nós sempre podemos esperar do nosso principal aliado, nomeadamente os Estados Unidos da América”, afirmou.
“As declarações de Trump, o discurso belicista e a forma beligerante como se tem comportado, já como presidente eleito, mas ainda ao longo do tempo em que abandonou a Casa Branca, não nos fazem tranquilizar, nem nos podem fazer esperar com grande otimismo este novo mandato”, alertou.