Luís Campos, diretor dos Serviços de Assuntos Europeus do Ministério da Economia, revelou parte de um estudo que liderou sobre o processo do Brexit e as suas implicações na economia portuguesa.
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Pouco se sabe sobre o Brexit e a forma como vai afetar a União Europeia. Há mais perguntas do que respostas.
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Luís Campos, ponto focal do Ministério da Economia para o Brexit, trabalha com assuntos europeus há mais de 20 anos. O diretor de serviços dos Assuntos Europeus da Direção-Geral das Atividades Económicas conduziu um estudo sobre o impacto do Brexit na economia portuguesa, apresentado na última segunda-feira, no ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa.
Tendo em conta que as relações comerciais entre Portugal e o Reino Unido têm sido positivas, adivinha-se um impacto importante. Em que áreas?
Toca em todas as áreas. Desde a inovação, a investigação, ao movimento de pessoas. Há uma grande preocupação com estas negociações. O impacto vai ser, para ambos os lados, efetivo e vai depender do que se acordar em Bruxelas, entre a União Europeia e o Reino Unido. Nós estamos a ter uma perspetiva um bocadinho cautelosa e tentamos ser otimistas ao máximo mas, neste caso, temos algumas preocupações.
Que bens podem ser afetados nesta nova relação pós-Brexit? Falou da questão do vinho do Porto.
Sim, a nível tradicional e até de dimensão comercial, o vinho do Porto é relevante, mas também há outras áreas: a área da agroindústria, com a Pera Rocha e outros produtos. Aliás, todo o relacionamento comercial vai ser complicado porque hoje consegue-se expedir para o Reino Unido sem qualquer tipo de condicionante. Se houver um hard cliff, ou seja, se não houver acordo, quando se exportar vai ter de se fazer alfandegamento, preencher papéis, ficar à espera das autorizações. Vai, obviamente, ter impacto em todo o comércio, seja ele de que tipo for.
Portugal é o quinto país para onde os ingleses mais viajam em férias a nível europeu. De que forma é que o Brexit vai ter impacto no setor do turismo?
Há dois níveis. O primeiro é a dificuldade dos britânicos circularem dentro do espaço europeu. Se não se chegar a qualquer tipo de acordo, podemos ter de chegar à situação de ter que ser necessário pedir um visto, entrar apenas com passaporte e, obviamente, isso será um entrave. Não é o único. Viajamos para a República Dominicana, para Cuba e temos esses requisitos. Mas vai dificultar a facilidade, a marcação de um dia para o outro.
Por outro lado, a desvalorização da libra é relevante. Até há pouco tempo um britânico que viesse com mil libras no bolso, correspondia a 1500 euros. Agora, essas mil libras valem 1100 euros. Há menos dinheiro disponível para gastos nos estados europeus e, nomeadamente, em Portugal. Daqui a uns anos, se [a libra] continuar a desvalorizar, eles virão muito menos. A desvalorização da libra faz com que também haja um maior receio dos turistas britânicos em se deslocar para fora do Reino Unido. 2019 é um ano que consideramos que pode ser crítico porque poderá haverá um decréscimo do fluxo britânico. Temos de começar a pensar em clientes alternativos e estamos a trabalhar para isso.
Que impacto terá o Brexit relativamente ao nicho de ingleses que decide passar a reforma em Portugal?
É uma questão que nos preocupa porque nós não sabemos se esses britânicos vão continuar a usufruir do Serviço Nacional de Saúde ou não, se haverá interligação entre os serviços de segurança social, se eles poderão receber a complementaridade em Portugal ou não. Há um perigo de repatriamento desses seniores britânicos a viver em Portugal. É uma questão que também tem de ser acautelada.
Relativamente às companhias low cost, haverá mais dificuldade de um avião do Reino Unido voar para Portugal?
Um avião com matrícula do Reino Unido não estará em open sky e irá ter mais dificuldades logísticas e operacionais para se deslocar dentro do espaço europeu. Atendendo ao facto de grande parte fluxo turístico britânico utilizar essas operadoras, é uma questão que nos preocupa. Algumas low cost estão com dificuldade em movimentar-se dentro do espaço na União Europeia, se tiverem a sede no Reino Unido. É uma questão que tem de ser trabalhada, até porque há muitos operadores económicos que utilizam essas operadoras de transporte aéreo. Tem de se equacionar como é que a transferência da sede poderá ser uma resposta.
Trazer a sede para Portugal seria uma resposta?
Uma resposta que eu gostaria. Já há notícias nos jornais. Obviamente, capturar investimento é sempre uma prioridade para nós, para ganharmos competências e criarmos emprego. Quem decide são os acionistas dessas empresas. Mas que seria muito positivo, seria.
Como têm corrido as negociações entre a União Europeia e o Reino Unido?
As negociações têm sido muito complicadas. Do lado europeu, realizaram-se cinco rondas e, basicamente, não se tem avançado por alguma dificuldade, nomeadamente do tema do cheque, [que] é muito relevante. O Reino Unido tem tido muitas dificuldades nesse ponto. Portanto, sem chegarmos a acordo nesses pontos não podemos passar para nova fase. Estamos um bocadinho pendentes das respostas do Reino Unido. Já demos mais dois meses para o Reino Unido poder fazer trabalho interno, produzir algumas reflexões para ver se chegamos efetivamente a acordo, que é o que nós pretendemos.
Se em março de 2019 não se chegar a um acordo, o que acontece?
Das duas, uma: ou há divórcio compulsivo, isto é, cada um segue para a sua parte (quem queira vender um copo, uma chávena vai ter que pagar a mesma coisa que paga para qualquer outro país não convencionado com a União Europeia - certamente pagará muitíssimo por direitos aduaneiros, terá trâmites administrativos complexos, muito tempo para desalfandegar. Certamente, poderá esperar um ou dois meses em Calais para desalfandegar o produto)...
Ou então, poderá haver uma prorrogação de prazo decidido pelo Conselho Europeu, caso haja, de facto, um avançar das negociações e o tempo ter sido curto. Aí, o Conselho Europeu pode mandatar um prazo suplementar. Não existe nada nos tratados que diga que seja mais um ano, dois ou três. Pode definir que estes dois anos são poucos e dar mais três. Vai ser conforme o ritmo das negociações. Até agora não têm sido muito positivas. Essa é uma possibilidade que não pode deixar de estar em cima da mesa.
O Brexit ajudou a aproximar a União Europeia ou acentuou ainda mais as clivagens que existem?
A nível de experiência própria, hoje sinto um espírito de cooperação e de colaboração com os meus colegas em Bruxelas que já não sentia há muitos anos. Esta adversidade levou a que houvesse uma maior proximidade entre os colegas, entre os Estados-Membros. Mesmo aqueles que não temos qualquer empatia ou pontos em comum. Havia um distanciamento. Hoje em dia, pós-Brexit, temos sentido uma proximidade. Portanto, o espírito de colaboração da União estão ao de cima, o que nos dá esperança para aprofundar a União.