"Ao fim de 20 anos de retórica de diversificação, Angola está tão dependente do petróleo como sempre esteve"

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Ontem, hoje e amanhã. Angola tem 50 anos de vida independente do poder colonial. Continua "magnífica e miserável". Ricardo Soares Oliveira, académico na Science Po e em Oxford, explicou tudo no Mapa Mundo da TSF
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Nos 50 anos de independência de Angola, no programa Mapa Mundo da TSF, o professor catedrático da universidade Science Po, em Paris (França), e investigador sénior da Universidade de Oxford, destaca, pelo lado positivo, que "há uma unidade nacional inequívoca", uma vez que "Angola não está em questão. Angola daqui a 100 anos existirá enquanto Angola e todas as forças políticas em Angola acreditam no país enquanto tal. É uma conquista extraordinária".
Com o espírito comemorativo dos 50 anos, importa "realçar a conquista da independência, que não foi fácil", mas "não há dúvida nenhuma que muitos aspetos da governação de Angola desde 1975 são dececionantes, em particular da perspetiva das esperanças que existiram" nesse ano.
Ricardo Soares Oliveira publicou há dez anos o livro Magnífica e Miserável: Angola desde a Guerra Civil. E como está hoje o país? "Essa dualidade mantém-se. O potencial de Angola é enorme, tanto do ponto de vista de recursos naturais, ponto frequentemente enfatizado, como do ponto de vista dos talentos da sua população. Por outro lado, a realidade é confrangedora e utilizo a palavra sem hesitação, porque não há dúvida nenhuma de que os recursos de Angola e esse potencial de Angola, não só não foram aproveitados nos últimos dez anos, como as expectativas otimistas que existiram, nomeadamente entre 2004 e 2014, durante a década durante a qual Angola beneficiou de recursos extraordinários, mesmo em termos comparativos, raramente entrou em Angola tanto dinheiro como entrou durante essa década de ouro."
As expectativas foram frustradas e, hoje em dia, entende o investigador, "o que há é um país dependente do petróleo, um setor que também está em declínio e, ainda mais importante, uma população empobrecida. Estes motins do verão de agora de julho de 2025 foram um sintoma da pobreza generalizada, pelo menos em largas fatias, da população. Por consequente, nos últimos dez anos, Angola não só não realizou o seu potencial, como muitas das questões que eu sublinhei no livro se aprofundaram".
A ideia da diversificação económica tem sido central para o discurso político do governo angolano, pelo menos desde o fim da guerra civil, afirma Ricardo Soares Oliveira, para quem Angola representa "um dos planos de diversificação económica mais falhados da história do sul global desde a descolonização".
Algumas das estratégias de diversificação, especialmente no setor industrial e agrícola, "pautaram-se por ingenuidade, ignorância, falta de capacidade burocrática por parte do Estado angolano, ou seja, foram erros de boa-fé, foram erros que se compreendem retrospetivamente. Outras explicações para o falhar da diversificação económica não são tão justificáveis quanto isso. Não são de boa-fé, são de má-fé. Houve muita, muita, muita corrupção, nomeadamente na área da industrialização, fábricas compradas que já eram obsoletas quando foram compradas no estrangeiro e que depois foram reconstruídas em Angola e que nunca produziram. Estou a pensar especificamente na zona económica especial em Luanda, mas há muitos exemplos. Em suma, gastou-se imenso dinheiro e Angola pouco ou nada avançou em quase todas estas áreas".
Ou seja, o resultado das tentativas de diversificação económica são modestos, em muitos casos não existem, e o resultado é que "ao fim de 20 anos de compromissos retóricos de diversificação da economia, Angola está tão dependente dos recursos naturais e do petróleo como sempre esteve". E Oliveira alerta: "As reservas de petróleo em Angola estão a dissipar-se com muita rapidez."
Angola em 2008 produzia quase dois milhões de barris de petróleo por dia, atualmente está num milhão de barris de petróleo por dia. E, afirma o professor catedrático, "as companhias petrolíferas não estão a investir na prospeção e não há perspetiva de Angola redescobrir reservas de classe mundial e, por conseguinte, voltar a ser o produtor de petróleo, pelo menos a curto-médio prazo, que já foi há duas décadas". Ou seja, "Angola tem uma grande dependência do petróleo e, ao mesmo tempo, o valor desse setor para Angola está a diminuir a olhos vistos".
