Ao som de “Bella Ciao”. O protesto insólito no Parlamento Europeu perante discurso de Orbán
Viktor Orbán foi criticado no Parlamento Europeu pela presidente da Comissão Europeia e foi alvo de críticas à direita e de fortes protestos à esquerda
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O encerramento do discurso do chefe do Governo húngaro, no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, onde apresentou as prioridades da presidência rotativa do Conselho da UE, ficou marcado por um momento insólito: o protesto dos parlamentares da esquerda europeia.
Os eurodeputados entoaram Bella Ciao, a canção de protesto das trabalhadoras rurais italianas, que se popularizou, mais recentemente, como banda sonora da série televisiva espanhola “A Casa de Papel”.
Aliás, a presidente do Parlamento Europeu não resistiu a fazer a comparação: “Isto parece a Casa de Papel”, disse Metsola ao aperceber-se da sonoridade familiar do cântico dos deputados. “Mas isto não é a Eurovisão. Já chega!”, continuou calmamente a presidente do Parlamento, enquanto tentava restabelecer a sessão, numa altura em que a presidente da Comissão Europeia se preparava para fazer um discurso muito incisivo, perante o euroceticismo de Orbán.
O primeiro-ministro húngaro tinha acabado de fazer um discurso em que afirmou que a principal razão para o crescente fosso de produtividade entre a União Europeia e os Estados Unidos é a tecnologia digital, sugerindo que o atraso da Europa tende a aumentar.
Orbán vincou também que a migração “não está a compensar o declínio populacional natural na UE”. Na sua perspetiva, pela primeira vez na história moderna, a produtividade na Europa não será mais impulsionada pelo aumento constante da força de trabalho.
Concordando com as avaliações de Mario Draghi e Emmanuel Macron, Viktor Orbán defendeu que a situação atual exige ações rápidas e decisivas. “Deixar a energia russa prejudicou o Produto Interno Bruto da União Europeia”, considerou Orbán, afirmando que, por outro lado, “a UE também não incentivou a transformação das cadeias de abastecimento e as empresas perderam percentagem de mercado”.
O governante destacou ainda que os desafios são sérios e não serão resolvidos com facilidade, e apelou a uma ação coordenada dos Estados-membros, incluindo a redução da carga administrativa. O objetivo da presidência húngara é que seja aceite um acordo de competitividade durante a reunião informal do Conselho Europeu em Budapeste, no próximo dia 8 de novembro.
Após o momento insólito de protesto no Parlamento Europeu, Ursula von der Leyen foi muito acutilante no seu discurso, por vezes olhando Orbán diretamente nos olhos, acusando-o de se aproximar de Vladimir Putin, permitir interferências estrangeiras da Rússia e da China, e de trair o povo húngaro.
“Há ainda quem culpe esta guerra não no invasor, mas no invadido. Não na sede de poder de Putin, mas na sede de liberdade da Ucrânia”, disse a presidente da Comissão Europeia.
“Por acaso culpariam os húngaros pela invasão soviética de 1956? Ou os checos e eslovacos pela repressão soviética de 1968? Ou os lituanos pela repressão soviética de 1991?”, perguntou a chefe do executivo comunitário, perante os aplausos de vários grupos políticos alinhados com a construção europeia.
Na resposta a von der Leyen, Orbán não escondeu a surpresa “com o que a presidente disse.”
“Deliberadamente não mencionei as nossas divergências, porque, como presidência do Conselho, estamos a trabalhar em nome da Europa”, enfatizou Orbán, visivelmente surpreendido, considerando que “não é correto falar sobre estas diferenças de opinião quando estamos aqui a discutir a presidência”.
Continuando a contestação ao posicionamento anti-europeu de Viktor Orbán, von der Leyen afirmou ainda que, apesar dos esforços europeus para impulsionar o mercado único, há “um governo que segue exatamente na direção oposta, afastando-se do mercado único”, parecendo referir-se ao governo de Budapeste.
“Como pode um governo atrair mais investimentos europeus se, ao mesmo tempo, discrimina empresas europeias, taxando-as mais do que outras?” questionou von der Leyen, abordando em seguida a questão da migração, perante o primeiro-ministro húngaro que, esta semana, ameaçou trazer para Bruxelas os migrantes sem documentos.
“Ouvi as suas palavras”, sublinhou a presidente da Comissão: “Disse que a Hungria está a proteger as fronteiras e que os criminosos estão a ser presos na Hungria. Como é que isso se concilia com o facto de as autoridades, no ano passado, terem libertado da prisão traficantes e contrabandistas condenados antes de cumprirem a sua pena?”, questionou ainda, em jeito de crítica.