Argélia avisa que só com "posições equilibradas" Portugal pode ter "papel positivo" a mediar conflito no Saara Ocidental
Em declarações à TSF, Said Moussi, embaixador da Argélia em Portugal, sublinha, contudo, que "a autodeterminação diz apenas respeito ao povo saarauí"
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O embaixador da Argélia em Portugal, Said Moussi, acredita que Portugal pode ter um "papel positivo" a desempenhar na solução do conflito que opõe Marrocos à Frente Polisário, mas avisa que a adoção de "posições equilibradas" é imprescindível.
No dia em que o Parlamento vota a proposta do partido Chega, que defende que o país reconheça a soberania de Marrocos sobre o Saara Ocidental, Said Moussi sublinha na TSF que, para Portugal ter esse papel na solução do conflito, é necessário haver "equilíbrio", lembrando que o destino do território só à população saarauí diz respeito.
"Todos os que agem de boa-fé podem desempenhar um papel no caminho da paz, mas para ter um papel positivo são necessárias posições equilibradas", nota.
Tendo em conta a histórica relação entre os dois Estados, o embaixador admite que existe uma ampla expectativa sobre Portugal para que desempenhe um "papel positivo" na resolução da questão.
"Na frente diplomática, estamos em diálogo com os nossos amigos portugueses, mas, insisto: é necessário ter sabedoria e cabe a cada um considerar os seus próprios interesses", evidencia.
Contudo, a par dos interesses legítimos da região, existe também a vontade do povo saarauí, que "não deve ser ignorada".
"Ouvimos muitas declarações de diferentes partes do mundo, mas a autodeterminação diz apenas respeito ao povo saarauí", atira.
Portugal tem até agora defendido o direito à autodeterminação do Saara Ocidental, mas nos últimos anos são vários os países europeus que têm mudado de posição para passarem a sustentar a anexação da antiga província espanhola. O ministro português dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, afirmou recentemente que a vontade marroquina para o conflito era a mais séria, credível e construtiva para por fim ao conflito.
Há mais de trinta anos que os capacetes azuis das Nações Unidas estão no terreno para garantir a realização de um referendo de autodeterminação, que nunca aconteceu. O representante argelino em Lisboa acredita, no entanto, que o voto popular ainda é possível, já que os saarauís têm uma história de "resiliência" demonstrada ao longo de "mais de 50 anos", apesar de entender que o Saara é vítima da atual situação geopolítica em que o mundo inteiro vive.
"A resolução desta questão — e é isso que esperamos — será feita entre as duas partes envolvidas, em conformidade com o direito internacional. Um referendo era possível até há vários anos, por que não havia de ser agora? Ainda está na agenda", garante.
Said Moussi lembra ainda que o apelo do povo saarauí é "simples": que tenham o "direito a expressar-se".
Na Argélia vivem quase 200 mil refugiados do Saara Ocidental , que enfrentam, entre outros desafios, insegurança alimentar. Estas pessoas fugiram do território devido à guerra entre Marrocos e a Frente Polisário (que representa o povo saarauí), que disputam a soberania do território há 50 anos, depois de Espanha se ter retirado da antiga colónia em 1975.
Já sobre a proposta votada esta sexta-feira na Assembleia da República, Ricardo Regala, deputado do Chega, defende que o Saara Ocidental não tem condições para sobreviver como Estado, e por isso, defende que a integração do território no reino de Marrocos é a solução mais "natural".
"Geograficamente, faz sentido que os vizinhos se possam entender e criar soluções ou ajudar a criar soluções que sirvam os interesses de todos. Quando digo interesses de todos é porque efetivamente é um interesse de Marrocos, mas também do povo que vive no Saara Ocidental, porque, de outra forma, ser-lhe-ia economicamente inviável essa subsistência por muito tempo", justifica, em declarações à TSF.
Em fevereiro deste ano, uma delegação do parlamento europeu foi impedida de desembarcar no Saara Ocidental. Entre os políticos declarados persona non grata estava Catarina Martins, eurodeputada do BE, que foi "empurrada" para dentro do avião no aeroporto internacional de Laayoune.
Os eurodeputados pretendiam chegar a Laayoune, após o Tribunal Europeu ter decretado que eram nulos os contratos comerciais celebrados entre a União Europeia e Marrocos por "violarem a autodeterminação" do Saara, uma vez que incluíam a exploração de recursos naturais do território - em causa estão vários acordos de agricultura e pesca. O objetivo era perceber de que forma é que esta medida estava ou não a ser cumprida.
Nessa mesma altura, em declarações à TSF, Omar Mih, representante da Frente Polisário, autoridade legítima do Saara Ocidental, considerou que Portugal pode desempenhar um papel determinante na resolução do conflito, lembrando o que foi feito com Timor-Leste, ao mesmo tempo que mantém "excelentes" relações com a Indonésia.
"Portugal tem os meios para ajudar o povo saarauí e os povos da região, de modo que se realize um referendo decidido pelas Nações Unidas e que se conclua o último conflito colonial aberto em África", sugeriu.