O estado do Arizona atinge novos máximos nacionais de violência juvenil. Houve um aumento de 350% nos jovens acusados de homicídio em primeiro grau; a agressão agravada aumentou mais de 100%. À TSF, os especialistas avisam: "Não é só cá, está em todo o lado, é um terror!"
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Os adolescentes do Arizona, onde os candidatos à Casa Branca estiveram quinta-feira à noite, estão a cometer crimes violentos a um ritmo explosivo. Houve um aumento de 350% no número de jovens acusados de homicídio em primeiro grau; a agressão agravada envolvendo jovens aumentou mais de 100%. O suicídio juvenil está em alta e as doenças de foro mental acompanham a tendência. 2024 já estabeleceu um recorde para o número de adolescentes acusados de agressões agravadas e má conduta com armas. Os números que alarmaram as autoridades do potencialmente decisivo estado do Arizona são preocupantes, bem acima da média nacional da criminalidade juvenil. E não incluem os crimes imputados a membros dos Gilbert Goons, um gang de jovens adolescentes de um bairro de classe alta, que tem protagonizado crimes que encheram páginas de jornais, como o que vitimou há um ano o jovem Preston Lord. Esta semana foi marcada por uma vigília em memória do jovem que, aos 16 anos, foi espancado até à morte.
Katey McPherson, antiga professora e agora consultora na área da educação, fala com a TSF acabada de chegar de uma conferência sobre o tema que foi dar a Atlanta, na Geórgia. Mãe de quatro adolescentes, assume que saiu das escolas “em 2016 porque comecei a ver essa escalada de problemas de saúde mental que está ligada à violência”. Preferiu ajudar alertando publicamente porque sentia que, no sistema de ensino, não lhe davam ouvidos. Tem passado o tempo a dizer: “os nossos rapazes não estão bem, os nossos rapazes não estão bem”. E explica: “acontece em todas as frentes: o suicídio, o abuso de substâncias, a violência, tem vindo a ser seguida há muito tempo, mas comecei a vê-lo nas escolas já em 2016. E depois, sabe, tivemos um enorme contágio de suicídio de jovens por aqui, principalmente rapazes”. A consultora não tem dúvidas: “nunca se viu nada assim: em escala, em severidade, em letalidade”.
A psicóloga Paula McCall, uma autoridade na região, quando se trata de analisar as causas e motivações para este pico de violência entre os jovens, recebe-me no seu consultório, uma casa térrea de cor marron, na cidade de Chandler, nos subúrbios de Phoenix: “Existem vários fatores. Um deles é o facto de tendermos a estar mais isolados do que estivemos no passado. Na pandemia, tivemos um curto período de tempo em que os números foram mais baixos, mas depois, à medida que esta se prolongou, houve um grande impacto nos nossos jovens sobre as suas vidas e sobre as suas trajetórias, sobre os seus caminhos e sentido de ligação. Mas também vemos, por exemplo, que não podemos culpar apenas a pandemia por isso, porque pode ter exacerbado algumas situações subjacentes, mas na verdade temos visto estas taxas a subir nos últimos 10-15-20 anos. E não é apenas para os nossos jovens, estamos a ver mais agressão, mais depressão, mais suicídio entre todas as idades.
O problema é por demais evidente nas faixas etárias mais jovens: “entre 2016 e agora, provavelmente perdemos 75 meninos só na minha cidade, principalmente de famílias caucasianas, ricas e com bons recursos, por suicídio". Afirma que a violência recente "aqui no condado de Maricopa, na zona oeste da cidade de Phoenix” já não surpreende, pois “geralmente sempre tivemos muita, há mais pobreza, há mais famílias desestruturadas, mais casas unifamiliares. Mas, sabe, está a aumentar aqui nas áreas ricas agora também. Tenho a certeza que o Ricardo ouviu falar de Preston Lord e do que aconteceu com ele”, afirma McPherson.
Quem era Preston Lord
Preston Lord, 16 anos, caucasiano, foi espancado até à morte por um grupo de jovens também brancos de um bairro rico da região, os Gilbert Goons. Descobriu Katey Mcpherson que as ameaças tinham começado cerca de dois anos antes. Na escola. Foi morto a 28 de outubro de 2023, em Queen Creek. O julgamento dos sete suspeitos de homicídio decorre desde agosto. Do lado de fora do tribunal, familiares e amigos de Lord, rapaz pacato, estavam vestidos de laranja, que era a cor favorita do jovem. “Queremos ter certeza de que eles sabem que não vamos desistir e que isto não será varrido para debaixo do tapete”, disse uma amiga e apoiante da família, identificada pela FOX10 Phoenix apenas como ‘Lisa’. “O ataque a Preston foi deliberado”, afirmou na altura a madrasta de Preston, Melissa Ciconte. “Não foram apenas algumas crianças a dar socos, foi um ataque deliberado contra ele que tirou a sua vida, e eles, os sete acusados, deveriam ser responsabilizados pela sua sua morte.”
McCall diz que “só porque outras coisas não estão a receber a atenção dos média não significa que não estejam a acontecer. A única razão pela qual ouvimos falar destas coisas é porque perdemos Preston Lord e isso trouxe à tona todas as coisas que já estavam a acontecer. E pode haver certas regiões e certas áreas que são mais propensas a ter taxas mais altas de suicídio e coisas assim, taxas mais altas de violência, mas esses são aspectos mais circunstanciais e ambientais. Mas penso que o que vemos é uma mudança global. E como eu disse, quando olhamos para as nossas taxas nacionais, estamos muito nessa tendência negativa ascendente tanto em relação ao suicídio como à violência”.
Maricopa, condado onde se situa Phoenix, teve um aumento de 356% apenas na violência adolescente nos últimos dois anos. McPherson reconhece que “o lado oeste de Phoenix – o chamado West Valley - sempre foi um lugar muito difícil para se viver. Mas o lado leste de Phoenix é bonito e rico, e, no entanto, estamos a ver os mesmos comportamentos: armas, agressões agravadas, vandalismo flagrante. Eu diria que em termos de saúde mental, o COVID foi um grande acontecimento, as escolas ficaram online, e os rapazes especificamente, tinham muito tempo disponível. Entraram no consumo de substâncias, isso gerou altos índices de depressão, ansiedade, ideação suicida. Os pais dos adolescentes que maltrataram Preston também têm problemas significativos de saúde mental, alcoolismo, violência doméstica, depressão e ansiedade. Quer dizer, não importa quanto dinheiro se tem, esses problemas estão lá”. Os Goons, gang de adolescentes, quando acabaram por matar Preston Lord, já “espancavam crianças com socos e armas há dois anos”.
McCall entende que “vivemos uma epidemia de solidão e de hostilidade. As pessoas estão cada vez menos ligadas entre si, a forma como falam entre si nas redes sociais, o modo como dizem coisas horríveis umas às outras, tornámo-nos muito mais agressivos, como sociedade”. São elementos de uma mudança societal global que, logo, não surpreendem a psicóloga quando se encontra os mesmos padrões entre os mais jovens, “mais solitários, mais deprimidos, mais propensos a pensamentos suicidas, com mais vivências de experiências violentas”. E, no quadro de uma violência crescente, há segmentos que se tornam alvos específicos: “vemos recordes absolutos de violência sexual contra as raparigas”. Ao que não ajudará o discurso paternalista e machista do candidato Donald Trump quando afirma: “vou proteger as mulheres, quer elas gostem, quer não”.
O papel das redes sociais
Existirá um papel casual das redes sociais, ou será que as redes sociais, por outro lado, são um reflexo dessa realidade? A psicóloga hesita em apontar uma causa principal: “penso que vemos uma correlação entre o momento em que as coisas começaram a aumentar, especialmente no que se refere ao suicídio e à saúde mental, e o momento em que os telemóveis se tornaram dispositivos, começaram a ter aplicações e a ter jogos, em que se tornaram um minicomputador nas nossas mãos. Vemos, portanto, uma correlação social, mas não gosto de culpar ou dizer que foi apenas a tecnologia, ou apenas as aplicações, ou apenas as redes sociais. Vemos tantas coisas que estavam a acontecer ao mesmo tempo. E o tanto que mudaram a nossa sociedade”.
Para Katey, “é uma rua de dois sentidos. Penso que os jovens aprenderam a ser violentos através das redes sociais e depois usam as redes sociais como um acelerador da sua violência, ou seja, todos estes ataques que têm acontecido, eles gravaram-nos e enviaram-nos para as redes sociais para obterem gostos e cliques e validação e reforço da sua violência, mas aprenderam a ser violentos vendo o Twitter e o Tiktok e a violência que é permitida. Quero dizer, os rapazes que magoaram o Preston, nas mensagens de texto e no Snapchat, falaram de o atacar durante dois anos antes da sua morte. Os rapazes diziam: ‘Vamos acabar com ele, como no filme X’. Portanto, estão a imitar o que vêem nesses filmes e na Internet, como miúdos brancos e ricos que tentam ser gangsters. Por isso, acho que é uma questão de ambas as partes. As redes sociais ensinaram-nos a fazer isto e eles usam as redes sociais para obter validação, cliques e gostos, o que é um acelerador total. Se não tivessem público a assistir teria sido aborrecido, mas foi emocionante para eles porque tinham muitas pessoas a filmar e, a a reforçarem, dizendo: ‘Bom trabalho, bom trabalho’.
McPherson põe o dedo na ferida: “a polícia não fez nada. Parte do meu papel nesta história tem sido ensinar a polícia a usar as redes sociais. Quando tudo isto aconteceu demorei apenas cerca de uma hora a descobrir quem eram os miúdos que magoaram o Preston. Fui ao TikTok de um rapaz. Olhei para os seus seguidores. Fui a esse miúdo, a outro miúdo, a a mais outro miúdo. Todos tinham os mesmos vídeos. Tinham até vídeos deles próprios nos bancos traseiros dos carros da polícia a serem presos por pequenos crimes. Por isso, quando a polícia disse que não conhecia estes miúdos, é mentira. Se a polícia quiser fazer o seu trabalho, tem de construir ativamente e de forma preventiva relações com os pais e os filhos. Os pais têm de estar a supervisionar. Não é só o trabalho da polícia, mas a polícia ficou literalmente de braços cruzados a ver estes miúdos serem violentos e continua a não se importar”. E não se resolve, na sua opinião, “acrescentando mais um policial à força para ser o polícia responsável pela violência adolescente.”
Será um problema exclusivo do Arizona?
A resposta de Katey não deixa margem para dúvidas: “Não! Está em todo o lado. Está em todo o lado. É aterrador. Quer dizer, eu sou mãe de quatro adolescentes. É aterrador ver isso. A escalada, a agressão, está a acontecer em todo o lado. As escolas estão a falar sobre isso. Toda a gente está a levantar as mãos e a dizer, 'bem, não sei o que fazer em relação a isso', mas ninguém está realmente a juntar-se para uma solução colectiva”.
Institutições que trabalham na sua caixa, na sua bolha, cada um para seu lado, cada um por si. Atira a consultora especialista em violência juvenil: temos escolas a trabalhar em circuito fechado. Tenho a polícia a trabalhar de igual forma. Como aqui, o departamento de polícia de Gilbert teve uma série de agressões sobre as quais eles não fizeram nada. Uma noite aconteceu em Queen Creek, onde Preston morreu e aí já começaram a discutir. Depois temos a cidade vizinha de Chandler: ‘queremos fazer alguma coisa'; então eles estão a ser muito proativos, mas as três agências – escolas, polícias e municípios - não estão de mãos dadas. Cada um está a fazer o que quer e ninguém se reúne como uma força-tarefa coletiva. E as famílias não se estão a reunir e a dizer: o que é que vamos fazer sobre isto?”
Katey McPherson entende que a América “é muito reactiva, não é proactiva. Por isso, há pelo menos 20 anos que eu andava a dar o alarme sobre os rapazes: os nossos rapazes não estão bem. Os nossos rapazes não estão bem. Temos o abuso de substâncias, temos o vaping, temos o suicídio, temos as armas, temos a agressão. Temos de nos chegar à frente sobre isto. E voilà, aqui estamos nós; creio que pensavam que eu era uma alarmista. E depois o presidente da câmara veio ter comigo e disse: ‘devia ter-te dado ouvidos’. E eu disse: “Sim, devia". Penso que também é preciso pensar que isto acontece na escola e fora do campus da escola, e os funcionários da escola dizem: ‘bem, isso não é problema nosso, porque estes rapazes fizeram isto fora do campus’. E quando se fala com as vítimas, elas dizem: ‘Não, eles também me assediavam no campus’. Por isso, o nexo entre a escola e a comunidade tem de ser discutido”.
Paula McCall aponta caminhos: “Temos de olhar para o nosso nível familiar e ver o que podemos fazer para causar impacto e fazer a diferença dentro do círculo sobre o qual temos controlo, sobre o qual temos poder. E podemos fazer isso a um nível muito proactivo. Além disso, hoje deveríamos ir para casa e perguntar aos nossos filhos: como se sentem? Como foi o vosso dia? Deveríamos partilhar com eles. É assim que me sinto hoje. Foi assim que foi o meu dia. E não abordar as coisas com um sentido de julgamento, mas, novamente, só querer entender. Quero saber como estás'; precisamos abrir esse diálogo”.
A crispação política
Será o fenómeno apenas etário ou contaminado por todo um espaço público agressivo e polarizado, desde logo ao nível da esfera política, como actualmente o país assiste. A consultora admite que as redes sociais “reforçam a ideia de divisão e polarização e os miúdos estão atentos a esse tom de agressividade. Ouvem na rádio, veem nas redes sociais, presenciam os debates acalorados que dividem famílias. Os professores falam disso nas aulas. Creio que a intensidade de tudo contribui para a violência, certamente”.
Para Paula McCall, é difícil dizer ao certo, mas admite uma eventual correlação: “definitivamente, vemos na nossa política e no nosso clima político neste momento, vemos muita tensão e hostilidade. Acho que o mais importante, porém, é apenas ter certeza de que estamos preparados e conscientes de que haverá muita intensidade emocional. E assim, nas nossas interações, no dia a dia, de pessoa para pessoa, é aí que podemos fazer a maior diferença, sendo gentis uns com os outros, tendo atos intencionais de bondade particularmente nesta próxima semana, segurar a porta para alguém, cumprimentar alguém, não desprezar alguém porque está a vestir a t-shirt ou o boné do adversário que não gostamos. Acenar para as pessoas, reconhecer as pessoas como seres humanos”.
E dá o exemplo de algo que está a ser feito em Chandler: “na verdade, em Chandler, temos um evento que acontece este sábado e que foi escolhido intencionalmente este sábado antes da eleição. Chama-se “Unidos”. Juntamos todas essas organizações sem fins lucrativos e todos nós fazemos projetos de serviço comunitário, apenas coisas para a comunidade, como pinturas e coisas do género, pequenos atos de bondade para que a nossa comunidade se reúna ao mesmo tempo, uma vez que actualmente todos se sentem muito distanciados. E eu acho que é isso que precisamos fazer, são os tipos de coisas que precisamos modelar para os nossos jovens, porque, novamente, há tanta coisa a acontecer a nível social.. nós, como adultos, precisamos de nos reconhecermos como modelos que mostram aos nossos jovens como ser gentis uns com os outros e como nos ligarmos e como expressar as nossas emoções de uma forma saudável”.
América em carne viva: as eleições, e depois?
“Sinto muita preocupação”, admite a psicóloga de Chandler, nos arredores de Phoenix. E explica: “não tanto no resultado de qual é a decisão, que seja lá o que for, quem acaba por ser eleito, vai ser o que é, e essa pessoa terá a oportunidade de falar com sua plataforma e avançar na linha que pretende seguir. Estou mais preocupada com a reação que as pessoas terão se as coisas não acontecerem da forma que elas querem que aconteça”. Procura alimentar-se de um espírito positivo, mas admite a dificuldade tendo em conta o ambiente de crispação mútua criado, mesmo dentro do espaço familiar e dos círculos de amigos: “podemos ser uma sociedade bastante decente uns para os outros, mas há momentos extremos e sentimentos extremos, e estamos num daqueles momentos acalorados em que estou, de facto, preocupada com o que essa reação possa ser em ambos os lados. Portanto, não sei realmente o que esperar na próxima terça-feira”.