"Armar um país e ajudar a resistir a uma invasão: não o fazer tem um preço, é deixar que sejam dizimados"
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Participou num Conselho da Europa, foi com o primeiro-ministro visitar as tropas na Roménia, já não conseguiu chegar a tempo de estar presencialmente no encerramento da iniciativa do Atlantic Centre, sexta-feira, nos Açores. Foi à distância de uma videochamada esta entrevista com a TSF.
Ministra Helena Carreiras, o presidente finlandês Sauli Niinisto, e a primeira-ministra Sueca Magdalena Andersson foram a Washington e discursaram nos jardins da Casa Branca. Disseram que a NATO fica mais forte com eles na Aliança e que a Turquia pode estar tranquila. A ministra da Defesa de Portugal está também tranquila quanto a este processo de adesão de mais dois estados membros?
Está tranquila. Como o Governo português está tranquilo. Parece-nos e a mim em particular, que é uma decisão soberana de dois Estados que sentem que a sua segurança melhorará com esta adesão. E sentem também, e sentimos todos, que para a NATO é também positivo que esses dois Estados queiram aderir, compreendendo naturalmente que na relação com a Rússia possam ter alguns cuidados. O próprio Presidente Putin declarou que não haveria problemas, ou pelo menos alterou o seu o seu discurso, num um dado momento, para salientar apenas o receio e a necessidade de não haver armas e bases próximo das suas fronteiras. E, no entanto, decidiu agora também aumentar o número de unidades militares junto às fronteiras. Eu penso que é uma situação que podemos entender, mas que devemos sobretudo pensar que do lado da NATO se trata de uma vontade soberana de dois países que querem reforçar a sua segurança e que pretendem fazê-lo na perspetiva que é a da Aliança Atlântica, que é a perspetiva de uma aliança de defesa e dissuasão e o fundamental neste aspeto.
A Suécia e a Finlândia anunciarem que não querem bases permanentes da NATO nos seus territórios nem armamento nuclear faz baixar a temperatura política?
Sem dúvida. Veremos depois como é que as conversas vão decorrendo, sobre a forma como se vai processar essa adesão e a posição desses países. Mas creio que é também um sinal de boa vontade na perspetiva de não querer criar mais tensões neste momento, sim.
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Esteve com o primeiro-ministro António Costa esta semana na visita à Roménia, onde esteve com as tropas portugueses ao serviço da NATO... foi assinado um novo acordo com a Roménia na área da defesa? O que é que prevê?
Bom, é um acordo que temos desde 1995, ao abrigo do qual têm vindo a desenvolver-se múltiplas atividades de cooperação com os vários ramos das nossas Forças Armadas e também com diferentes atividades. Este acordo em particular, amplia as áreas de cooperação para as questões cibe, para um possível e muito provável reforço da nossa cooperação em termos de indústrias de defesa e dos contactos entre as nossas indústrias de defesa, de cooperação, portanto também na naquilo que venha a ser o próprio desenvolvimento na União Europeia e na NATO. Nesse plano, para áreas também como mulheres, paz e segurança, enfim, há uma série de novas áreas de colaboração, mas fundamentalmente o que faz é prolongar o acordo que já tínhamos. Temos lá a nossa companhia de atiradores do Exército. E foi com esses militares que contactámos. Eles estão inseridos nesta missão de vigilância e dissuasão da NATO, com soldados e militares romenos. E portanto, foi essa com essa companhia que contactámos que pudemos ver o material, pudemos conversar com os militares e foi, de facto, um encontro muito, muito positivo e creio que muito, muito importante para eles também, tanto os nossos soldados como para as autoridades romenas.
Nessa visita que fez à base militar de Caracal, a preparação, o grau de prontidão, dos militares portugueses que lá estão... deixam-na tranquila ou com a sensação de que é preciso apetrechar mais e melhor esta Força Nacional Destacada?
Não. Deixou-me tranquila e, sinceramente, creio que aquilo que foi o planeado e executado e eles estão, enfim, a desempenhar a sua missão com os equipamentos e a proteção que necessitam. Não creio que tivesse havido forma de fazer diferente, uma vez que a avaliação de ameaça que se fez foi de modo a equipa-los nessa justa medida e penso que eles próprios se sentem bastante seguros. Foi essa, pelo menos, a sensação que todos tivemos quando visitámos e quando conversámos com as tropas.
Percebeu pelas conversas que lá teve que são militares que sentem permanentemente que a guerra esta ali ao lado?
Não está, não está tão próximo. Por um lado, sentem que têm ali uma missão especial, dado o contexto em que vivemos. E a guerra é, de facto, um contexto diferente do habitual. Mas vi-os bastante tranquilos, bastante motivados, bastante centrados na missão, muito bem integrados já, com a própria comunidade local. Tinham, aliás, há poucos dias participado numa prova desportiva em que ganharam várias medalhas. Vejo, portanto, uma força nacional destacada, com o mesmo grau de prontidão, de motivação que temos visto noutros casos e noutros contextos. Não creio que tenham receios maiores e a nossa presença, do Primeiro-Ministro neste caso e a minha própria, também são de molde a tranquiliza-los, mostrar-lhes que estão a contribuir para um esforço coletivo que tem de facto um contexto novo, mas que é aquilo que é a sua missão e que nos comprometemos também como país a fazer nas nossas forças nacionais destacadas.
A minha questão não era tanto pelo receio que pudessem sentir mas a frustração de estarem ali ao lado do teatro de operações e saberem que, apesar dos meios disponíveis, não podem influenciar o curso dos acontecimentos...
Não creio, ou seja, é uma frustração que provavelmente temos todos. Cada um na sua esfera, de pensar que gostaríamos de contribuir para a paz e para o final do conflito. Contudo, a ideia que temos e que passamos a estes soldados é a de que a sua presença e o facto de estarem ali e estarem disponíveis constitui, de facto, um elemento dissuasor que é característica desta missão. E, portanto, espero sinceramente que seja também essa a sua convicção, porque não senti frustração entre os soldados nesse aspeto, não.
Como é que vê o atual momento do conflito?
Complexo, difícil, embora de ambos os lados, enfim, tenha havido alguns avanços. Há, contudo, a convicção de que a Rússia teve que prescindir de muitos dos seus objetivos, requalifica-los. Do lado ucraniano, enfim, há a resistência profunda. A sensação de que se está a conseguir resistir e conter, apesar da situação de Azovstal. E que é, de facto, também para a população e para as forças um elemento menos positivo. Contudo, de uma forma geral, o que senti, também falando com o ministro meu homólogo, foi bastante confiança e bastante determinação que com a ajuda dos aliados e do conjunto de países mais vasto que se associou, e que está a procurar ajudar a Ucrânia, que conseguiram manter a resistência, recuperar posições e, eventualmente até, vencer esta guerra. É muito cedo para falar de um desfecho. A convicção de todos é que será um conflito que se vai prolongar, mas é de facto muito difícil antecipar o que pode vir a acontecer. A moral é positiva. Tanto quanto pude perceber nesta reunião, tanto do lado da Ucrânia como do lado da União Europeia e da NATO.
Continuar a armar um país é a melhor maneira de acabar com uma guerra ou será antes perpetuá-la?
Armar um país e ajudar a resistir a uma invasão e ajudar um povo que tem o direito à sua autodeterminação, a sua soberania. Não o fazer tem um preço e é simplesmente o de deixar que sejam dizimados. E, portanto, não me parece que seja um problema, ou que neste momento não armar fosse a solução. Creio que é o momento de fazer isto, de ajudar a Ucrânia a defender se de uma invasão ilegal, brutal. Porque o oposto, o não o fazer, repito, teria um outro custo que não sei se queríamos pagar.
Lia esta semana numa análise no European Council on Foreign Relations que as autoridades turcas parecem estar discretamente preocupadas com o fato de o conflito poder transformar-se numa guerra NATO-Rússia e que o risco de escalada esteja a crescer, alimentado pelo maior apoio do ocidente no fornecimento de armas à Ucrânia e pela ausência de uma estrutura de negociações. Ancara também está desapontada com a relutância do Ocidente em apoiar as negociações de cessar-fogo mediadas pela Turquia, acusando "alguns países" de não quererem que a guerra terminasse para poderem continuar a prejudicar a Rússia... isto merece-lhe algum comentário?
Bem, eu creio que pode haver várias suposições sobre o que cada ator no terreno pensa e pretende fazer. Neste caso em particular, eu diria que o mais importante é apoiar as iniciativas que procurem ultrapassar estes obstáculos. E, sobretudo, dizer também que a diplomacia, a via da solução diplomática tem que ser apoiada. Não é incompatível com ajudarmos a armar a Ucrânia, é uma via que não pode deixar de ser prosseguida. Há várias iniciativas em curso que podem visar esse fim. E entre elas, pode haver alguma tensão? Sim, sem dúvida. Mas eu tenho alguma confiança que vamos conseguir chegar a um acordo que permita que a Turquia se sinta também confortável com o resultado que se alcançar.
Qual o papel do Atlântico na criação de uma nova ordem de segurança e defesa que sairá desta guerra?
O Atlântico é fundamental para a ordem de segurança que queremos construir. E é justamente porque estamos a olhar mais para leste, neste momento e para a Europa, que há o risco de esquecermos outras zonas do mundo ou outras áreas que são igualmente estratégicas para a nossa segurança. E daí que seja mesmo importante iniciativas como esta do Atlantic Center (o curso anual de segurança marítima, na Base das Lajes, na Ilha terceira, que foi concluído esta sexta-feira), que aconteceu hoje. Este curso e todas as outras iniciativas, a consolidação do centro do Atlântico para voltarmos a recentrar o nosso olhar nas áreas de onde múltiplas ameaças também decorrem e onde os nossos competidores estratégicos estão também. Refiro me a África, em particular ao Sahel. Esse foi também um tema de grande importância neste Conselho. Contudo, para voltar ao Atlântico, diria que temos que manter o nosso foco no Atlântico, porque a nós interessa muitíssimo não nos descentrarmos deste nosso lugar e da diferença que podemos fazer ao trazer as questões que têm a ver com a segurança do Atlântico para as conversações. E é o nosso olhar estratégico sobre o futuro.
O politólogo e arabista Raul Braga Pires escrevia no DN esta sexta-feira que no contexto do alargamento da NATO à Finlândia e Suécia, Joe Biden deu sinais de que poderá ser debatido um outro alargamento na Cimeira ordinária de Madrid dentro de um mês. O alargamento da área operacional e estratégica da Aliança até à linha do Equador, assumindo assim todo o Atlântico norte e colocando sob a sua asa protetora todo o Magrebe/norte de África, Sahel da costa à contracosta e África Ocidental/Golfo da Guiné... como vê esta possibilidade?
Portugal tem esta perspetiva de que, embora a NATO esteja a recentrar-se na naquilo que chamamos a defesa coletiva, não deverá deixar as suas duas outras missões: a segurança cooperativa e a prevenção e gestão de crises. Contudo, diria que muito mais numa perspetiva de ter em conta aquilo que noutros contextos e hemisférios são fatores de ameaça e que temos de tomar em conta, do que ampliar a ação da Aliança Atlântica para esses contextos. Isso, eu diria que não é aquela que será a nossa posição.