É uma situação inédita, desde que o Conselho Norueguês para os Refugiados elabora o top anual, houve sempre países de outros continentes na lista. Países como a Venezuela, Iémen, Myanmar ou a Palestina. A TSF falou com Tom Peyre-Costa, porta-voz do Conselho para a África Central e Ocidental.
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Para o ano de 2021 foram analisadas 41 crises que causaram, cada uma, mais de 200 mil refugiados ou deslocados internos. O Conselho concluiu que as situações de que ninguém fala estão todas em África. Tom Peyre-Costa, porta-voz do Conselho para a África Central e Ocidental, explica à TSF que como estas situações são longe da Europa é mais fácil os políticos virarem a cara.
"A maioria destes países são longe da Europa e as pessoas fogem para os estados vizinhos, não vêm para as fronteiras ocidentais e por isso os líderes políticos não se preocupam. Geograficamente há falta de interesse e há também o facto de a resposta humanitária internacional sofrer de algum eurocentrismo ou de alguma espécie de racismo. Podemos ver o exemplo perfeito disso quando comparamos a diferença do apoio massivo à Ucrânia e o destino de milhões de africanos que se mantêm na sombra," explicou Peyre-Costa.
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O porta-voz do Conselho Norueguês para os Refugiados acredita que a situação se vai agravar ao longo de 2022. Os números da fome e de refugiados atingem já valores inéditos e por isso é feito o apelo para que os países decidam os donativos de acordo com as necessidades e não com a visibilidade. É preciso aumentar os donativos para África, explica Tom Peyre-Costa, "é inacreditável a diferença de resposta às várias crises. Por exemplo, o apelo para a Ucrânia foi totalmente atingido em apenas um dia. Eram 6 mil e quinhentos milhões de dólares que são muito necessários, mas no Congo, por exemplo, o ano passado nem se atingiu os 50% do valor pedido e este ano foram entregues menos de 10%"
Apesar disso há países que estão a desviar fundos do auxílio a países africanos para acudirem aos ucranianos. Uma situação que Tom Peyre-Costa tem dificuldade em entender, "temos casos, como por exemplo, a Dinamarca que decidiu reduzir em 40% o apoio ao Mali e entregar a verba à Ucrânia. Eles divulgaram a decisão publicamente mas há outros exemplos. Seria mais eficiente os doadores aumentarem as verbas e não optarem pela redistribuição. O dinheiro não chega, o ano passado só foi entregue metade do valor necessário para responder a todas as crises."
O Conselho diz que a falta de verbas deixa as organizações numa posição extremamente difícil porque têm de decidir quem podem, ou não, ajudar.
Este ano a lista de crises é liderada pela Republica Democrática do Congo, um país onde a guerra se arrasta há muitos anos e que por isso tem feito sempre parte do top 10. Em declarações à TSF Peyre-Costa contou o que se passa no país, "tristemente temos várias grandes crises em África, mas o Congo é a emergência das emergências. Temos 30 milhões de pessoas com fome o que significa um em cada três habitantes no país. Temos 6 milhões e meio de deslocados internos, as necessidades são gigantescas. No nordeste os civis estão a ser atacados e mortos todas as semanas. O Congo é a mega crise, mas apesar disso, como é longe do ocidente, o destino de milhares de congoleses mantém-se na sombra e só ouvimos um silêncio ensurdecedor por parte dos media e da esfera politica."
Na lista referente a 2021 a Republica Democrática do Congo ocupa o primeiro lugar seguida do Burkina Faso, Camarões, Sudão do Sul, Chade, Mali, Sudão, Nigéria, Burundi e Etiópia. São crises humanitárias negligenciadas que não são só provocadas por guerras. As alterações climáticas, o aumento dos preços dos combustíveis e o impacto socioeconómico da pandemia são outros das causas para o aumento das necessidades humanitárias.
Para realizar a lista de crises o Conselho teve em conta três fatores. A falta de vontade política internacional para ajudar, a falta de atenção dos média e a falta de ajuda humanitária.