
Francisco Ximenes Albuquerque
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Sobreviveu à fome no Ceará, a um acidente grave na ponte Rio-Niterói, a um cancro e a um tiroteio no Complexo da Maré. Só se queixa de falta de sorte no amor.
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"Meu Deus, acho que agora eu vou morrer", disse o senhor Francisco Ximenes Albuquerque, quando se viu a uma altura de 40 metros e com a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, por baixo.
Mas como caiu em pé, o senhor Francisco, então com 45 anos, mesmo de camisa, calças e sapatos, conseguiu nadar e boiar até à Ilha do Mocanguê, onde foi resgatado três horas depois.
O acidente ocorreu na ponte Rio-Niterói, quando o miniautocarro em que seguia bateu contra um camião da manutenção, subiu o muro e fez os passageiros serem cuspidos pelos ares. Dois morreram. O senhor Francisco não.
Ele, que já é um sobrevivente da fome e da elevadíssima mortalidade infantil do estado nordestino do Ceará, mora hoje no Complexo da Maré, perigoso bairro carioca. Em junho, a meio de um tiroteio entre polícias e traficantes, o senhor Francisco aproveitou uma calmaria nos tiros para dar um pulo rápido ao mercadinho e comprar o almoço de dia dos namorados, celebrado no Brasil na véspera de Santo António, para ele e para a companheira.
De repente, o tiroteio regressa. Uma senhora é atingida e morre. O senhor Francisco encostou-se a uma parede e rezou. Mas também levou um tiro. Por sorte, a bala entrou na região do ombro direito e saiu pelo ombro esquerdo, sem atingir nenhum osso. E quatro horas depois já recebia alta do hospital.
Entre o acidente na ponte, de 1998, e o tiroteio à porta de casa, deste ano, o senhor Francisco foi diagnosticado com um cancro no reto. Os médicos dizem que está curado.
Os amigos dizem que ele é surdo - a morte chama e ele simplesmente não ouve. Em entrevista ao jornal O Globo, o garçom que um dia, nos anos 80, serviu John Travolta no Leme e até ganhou um prémio na lotaria que chegou para comprar a sua casinha na Maré, só lamenta a falta de sorte no amor.
Mesmo cozinhando almoços no dia dos namorados, acaba de somar a quarta separação.
O correspondente da TSF no Brasil, João Almeida Moreira, assina todas as quintas-feiras no site da TSF a crónica Acontece no Brasil