Batalhas internas, gafes, recuos e demissões marcam o início do governo. Segundo as sondagens, o atual Presidente do Brasil é o mais mal avaliado de sempre no período.
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A sondagem de popularidade do Presidente do Brasil aos 100 dias de Governo, uma tradição do Instituto Datafolha desde 1990, concluiu que todos os chefes de estado eleitos anteriormente tiveram melhor desempenho no período, pelo menos no primeiro mandato, do que Jair Bolsonaro, o atual inquilino do Palácio do Alvorada.
O estudo, fruto de 2086 entrevistas nos dias 2 e 3 de abril, uma semana antes dos tais 100 dias, com margem de erro de dois pontos percentuais, indica que 32% dos brasileiros consideram a gestão de Bolsonaro "ótima ou boa". Já 33% avaliam o chefe do estado como regular e 30% como mau ou péssimo.
Fernando Collor, o primeiro a ser submetido à sondagem, somava 36% de "ótimo e bom", Itamar Franco 34%, Fernando Henrique Cardoso (FHC) 39%, Lula da Silva 43% e 48%, em cada um dos mandatos, e Dilma Rousseff 47%. O atual Presidente só supera os números de FHC (21%) e Dilma (13%) nos respetivos segundos mandatos. Michel Temer não foi incluído na lista.
No item que mais chocou Bolsonaro, os brasileiros que consideravam Lula pouco inteligente em abril de 2003 eram 24%. Só 9% tinham a mesma opinião de Dilma, em 2011. Agora, 39% dos inquiridos desaprovam a inteligência do Presidente.
"Tem lá um item que diz que o Lula e a Dilma são mais inteligentes do que eu, então valeu, não vou perder tempo a comentar uma sondagem do Datafolha", reagiu Bolsonaro.
Apesar dos números e das avaliações dos brasileiros, dos deputados, dos economistas e dos especialistas setoriais, Bolsonaro vai, no entanto, comemorar os 100 dias desde que subiu a rampa do Planalto, esta quinta-feira, em evento para mostrar tudo o que já foi feito.
Para Hélio Schwartsman, colunista do jornal Folha de S. Paulo, "há dois fatores que ajudam a entender o derretimento [da popularidade do Presidente]". "O primeiro é que o governo é mesmo um caos, despreparo e foco nas coisas erradas resumem bem esses três meses, e o segundo é que há um descasamento entre as ideias defendidas pelo Presidente e as preferências do eleitorado". O articulista defende que Bolsonaro não foi eleito pela sua agenda mas sim por representar melhor o papel de anti-PT.
Os factos - e factoides - criados pelo governo fazem, entretanto, os 100 dias celebrados hoje parecerem uma eternidade. O caso "golden shower", em que o Presidente, para atacar os festejos de carnaval expôs nas redes sociais um vídeo pornográfico é o mais paradigmático. A ideia de comemorar - depois emendou para "rememorar" - os 55 anos do golpe de estado de 1965 criou desgaste até com a ala militar do seu governo.
As disputas de território entre essa ala, que reúne também os dirigentes de cariz técnico, e a chamada ala ideológica, onde se destacam os três filhos de Bolsonaro e o seu guru intelectual, Olavo de Carvalho, explicam a desordem governamental.
O recém demitido ministro da educação, Ricardo Vélez, nomeado por sugestão de Olavo, filósofo amador radicado nos EUA, acabou no meio do furacão gerado pela guerra. Além do acúmulo impressionante de gafes, Vélez terá traído os propósitos da ala ideológica, ao relegar alunos do guru para segundo plano no ministério. O seu substituto, Abraham Weintraub, volta a ser um seguidor de Olavo, ou seja, é a prova de que, na educação, Bolsonaro quer a ala ideológica a dar cartas.
No ápice da luta de fações no governo, Olavo e outros membros da sua ala, já chamaram o general Hamilton Mourão, o vice-presidente e expoente da ala rival, de traidor, entre outros insultos. O general Santos Cruz, outro ministro, disse que Olavo "não tem importância nenhuma".
Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro, o 01, o 02 e o 03, conforme denominação do pai, vêm entretanto causando ruído, um de cada vez. O último envolveu-se em troca de piropos com a líder parlamentar do partido de ambos, Joice Hasselmann, uma desavença pessoal do segundo resultou na primeira queda de ministro, Gustavo Bebianno, e o terceiro já desgastou e pode desgastar ainda mais o governo por causa de um escândalo de desvio de dinheiro no seu gabinete.
Além do Datafolha, que apesar de Bolsonaro desprezar acertou na mosca os resultados do vencedor na primeira e na segunda voltas da última eleição presidencial, outros estudos resumem os cem dias do governo. Dos 201 deputados ouvidos pela XP Investimentos, 55% considera má ou péssima a relação entre o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto - em fevereiro, o número era significativamente menor: 12%. Descontados os parlamentares que são considerados oposição, o número só baixa para, ainda assim expressivos, 44%.
E o principal propósito de Bolsonaro no seu primeiro ano de mandato é a aprovação da reforma da previdência, para a qual necessita do apoio de dois terços dos deputados.
Fiel ao seu discurso de campanha, o Presidente tem chamado os parlamentares de "representantes da velha política" por desejarem contrapartidas para negociar essa reforma, considerada impopular. O Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, sentiu-se provocado e pediu ao governo para "começar a funcionar, são 12 milhões de desempregados, capacidade de investimento diminuindo, está na hora de pararmos com esse tipo de brincadeira e dele se sentar na cadeira e governar".
Por causa de números como o da taxa de desemprego, revelado pelo IBGE, cujos cálculos, embora obedecendo a critérios internacionais, o Presidente contesta, o otimismo dos brasileiros com a economia, segundo o Datafolha, também caiu. Depois de chegar a níveis recordes às vésperas da posse do Presidente, a percentagem de pessoas que acreditam que a situação económica brasileira vai melhorar nos próximos meses caiu de 65%, em dezembro, para 50%, nos últimos dias. A parcela dos que prevê um agravamento dobrou, de 9% para 18%.
Fenómeno semelhante ocorre com a expectativa sobre a situação do próprio entrevistado. Os que confiam em melhorias passaram de 67% para 59%, enquanto os que acham que haverá deterioração subiram de 6% para 11%.
A situação, mais uma vez, não encontra paralelo em nenhum Presidente recém eleito. Apenas, mais uma vez, os reeleitos FHC, em 1998, e Dilma, em 2014, tinham registos equivalentes.
Jair Bolsonaro diz que concluiu 95% das 35 metas a que se propôs para este 100 dias mas a avaliação feita por especialistas setoriais e por parlamentares vai em sentido contrário. A análise é que, com alvos genéricos e subjetivos, poucas metas foram efetivamente cumpridas, de acordo com um estudo do consultor legislativo Luiz Alberto dos Santos revelado pelo Correio Braziliense.
Na área diplomática, um dos momentos mais notados foi o da abertura de um escritório em Jerusalém, em vez de transferir a embaixada para a cidade, como o Presidente prometera em campanha, por causa de receiro de retaliações árabes na compra de frango do país. "A recente viagem do Presidente Jair Bolsonaro à Terra Santa pode ser qualificada como um retumbante fracasso", avaliou Oliver Stuenkel, colunista da edição brasileira doEl País. "Piores, no entanto, são as razões estruturais que levaram a esse desastre diplomático e poderão conduzir a outros. Elas permitem entender hoje o que está por vir na política externa nos próximos anos".
Ainda nesse campo, Bolsonaro passou por Davos, onde discursou por meros seis minutos e evitou a conferência com a imprensa internacional. Seguiram-se os Estados Unidos, onde se encontrou com o ídolo Donald Trump, e ganhou repercussão internacional um comentário negativo do Presidente, em entrevista à FOX News, para com os emigrantes brasileiros no país.