Dez dias depois de completar 110 anos, a associação norte-americana deu início a um processo que suspende dezenas de milhares de processos de abuso sexual.
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No centro de um escândalo de pedofilia e abusos sexuais que a Boy Scouts of America (BSA), a associação de escoteiros dos Estados Unidos da América, abriu esta terça-feira um processo de falência. Fundada em 1910, a associação declarou, no relatório anual, um passivo que se situa entre os 100 e os 500 milhões de euros.
O processo de falência deu entrada num tribunal do estado do Delaware e, com ele, todas as ações cíveis promovidas contra a associação - incluindo as de abuso sexual de menores - são suspensas. Recentemente, os Boy Scouts hipotecaram as suas maiores propriedades, que pertencem à direção da associação, e que incluem a sede em Irving, no Texas, e o Philmont Ranch, uma propriedade com 57 mil hectares no Novo México, para garantirem um crédito.
A lista de vítimas conta, neste momento, com mais de 12 mil nomes, sendo os suspeitos de abuso perto de 8 mil. Várias denúncias referem carícias, exposição a pornografia e sexo oral ou anal forçado. No início do processo, a BSA disse "preocupar-se profundamente com todas as vítimas de abuso sexual de menores" e pedia "desculpas sinceras a todos os que foram abusados durante o seu período no escotismo".
Grande parte dos casos remonta às décadas de 1960, 1970 e 1980, sendo que a BSA garante que, em 2018, só tinha conhecimento de cinco vítimas de abuso. A BSA atribui esta diminuição no número de casos às políticas de prevenção adotadas nos anos 1980, como análises obrigatórias do registo criminal, formação para prevenção de abusos dada a todo o staff e voluntários e ainda a obrigatoriedade da presença de dois ou mais líderes adultos em todas as atividades promovidas.
O processo de bancarrota promete ser longo e dele vai sair o destino dos bens da BSA, o valor coberto pelos seguros da organização que vai ajudar a cobrir as indemnizações e a decisão sobre se os bens das 261 delegações locais vão ser contabilizados para o cálculo das compensações financeiras.
Para muitos dos sobreviventes de abusos, contar a sua história em tribunal e forçar as organizações a defenderem-se é catártico. Isso não vai acontecer num processo de falência.
Neste último ponto em específico, a associação garante que os programas que promove vão continuar a ser promovidos "no presente e durante muitos mais anos". Em comunicado, a BSA garantia que "as delegações locais não estão a abrir processo de falência porque estão legalmente separadas e são distintas da organização central".
Michael Pfau, um advogado de Seattle que representa mais de 300 alegadas vítimas, lamenta que os seus clientes não possam ir a tribunal dar o seu testemunho perante um júri. "Não vão ter de depor no contexto da sua história de vida. As suas vidas não vão ser escrutinadas, mas também perdem o direito a um julgamento com júri. Para muitos dos sobreviventes de abusos, contar a sua história em tribunal e forçar as organizações a defenderem-se é catártico. Isso não vai acontecer num processo de falência", lamentou em declarações à CNN .
A enfrentar uma crise com a diminuição do número de membros, que são agora menos de dois milhões face aos quatro milhões registados nos anos 1970, a organização tentou responder permitindo que raparigas possam inscrever-se.
Fundada em 1910, a BSA mantém confidenciais, desde os anos 1920, a lista de staff e voluntários implicados em escândalos de abuso sexual, sob a justificação de que quereria manter os predadores longe das crianças.
A organização sempre garantiu que nunca deixou que um abusador trabalhasse com os jovens mas, em maio, a Associated Press revelou que os advogados de vítimas identificaram vários casos de abusadores condenados que puderam voltar a postos de liderança dentro dos Boy Scouts.
No dia seguinte, o líder da BSA, Mike Surbaugh, escreveu a um comité do Congresso dos Estados Unidos para admitir que a associação tinha mentido.