Brexit: três cenários possíveis e uma luta contra o tempo
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Os deputados do Parlamento britânico preparavam-se para jogar as primeiras cartas que poderiam evitar um Brexit sem acordo, quando Boris Johnson mandou parar o jogo. A suspensão do Parlamento durante cinco semanas obriga, agora, os deputados que querem uma saída do Reino Unido da União Europeia (UE) com acordo a lutarem contra o tempo para vencerem a partida.
No meio de muitas incertezas, há um calendário apertado a ter em conta: no início da próxima semana, os deputados retomam os trabalhos; entre 9 e 12 de setembro, o Parlamento é suspenso; a 14 de outubro, a suspensão termina e, apenas 17 dias depois - a 31 de outubro - o Reino Unido é obrigado a sair da UE, resta saber se com ou sem acordo.
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O que significa e para que serve esta suspensão?
"A suspensão do Parlamento é um ato normal", começa por explicar Bernardo Ivo Cruz, editor da revista The London Brexit Monthly Digest. O especialista em ciência política esclarece à TSF que, neste caso e ao contrário do que é habitual, "todo o Parlamento deixa de funcionar, enquanto que quando o Parlamento suspende, por exemplo, para férias ainda há umas comissões de acompanhamento que podem continuar a acontecer".
Bernardo Ivo Cruz sublinha que a questão de suspender a atividade parlamentar não é "juridicamente significativa", mas sim "politicamente significativa".
Quanto às intenções de Boris Johnson, o especialista adianta que "o que o Governo quer é levar o processo do Brexit até ao fim", ou seja, "ao fazer uma suspensão de cinco semanas neste período, está a diminuir muito a capacidade de os deputados se oporem a um Brexit sem acordo".
Qual o papel da rainha?
A rainha podia dizer não ao pedido de Boris Johnson de suspender o Parlamento? Poder, podia, mas seria, na visão de Bernardo Ivo Cruz, " extraordinário e constitucionalmente muito relevante que a rainha Isabel II fizesse outra coisa que não fosse aconselhar o primeiro-ministro e autorizar aquilo que o Governo entenda fazer".
O poder de aconselhar o primeiro-ministro é sempre feito em segredo.
Portanto, 'a rainha fez de rainha' e ocupou-se daquilo que lhe compete: "Saber tudo o que se passa e aconselhar o primeiro-ministro."
"O poder de aconselhar o primeiro-ministro é sempre feito em segredo. Não se deve saber nem se sabe o que é que o primeiro-ministro pergunta à rainha e que conselhos é que a rainha dá ao primeiro-ministro. E o primeiro-ministro não é obrigado a seguir esses conselhos. O papel constitucional da rainha está salvaguardado neste segredo", vinca também à TSF o editor da The London Brexit Monthly Digest.
É possível reverter a suspensão do Parlamento?
Sim, "desde que o Governo queira ou que o Parlamento consiga tomar conta da agenda parlamentar". Para tal, seria, no entanto, preciso que o Parlamento conseguisse "reverter o modelo constitucional britânico, assumindo o próprio Parlamento a iniciativa parlamentar".
O Parlamento aprova as leis, mas para iniciar uma alteração de legislação tem de ser o Governo a fazê-lo.
O que pode acontecer agora?
"É a pergunta para um milhão de dólares", ironiza Bernardo Ivo Cruz, antes de avançar com três cenários possíveis, sublinhando que a única coisa clara é que "a legislação diz que, no dia 31 de outubro, o Reino Unido deixa de ser Estado-membro com ou sem acordo".
O primeiro cenário seria "o Parlamento alterar a lei que está em vigor". Esta seria, contudo, uma movimentação "constitucionalmente complicada", uma vez que "o Parlamento aprova as leis, mas para iniciar uma alteração de legislação tem de ser o Governo a fazê-lo". Para que tal fosse possível, "o Parlamento tinha de assumir algumas funções que são constitucionalmente reservadas ao Governo", algo que não seria impossível, visto que "já aconteceu antes".
A segunda hipótese seria uma moção de censura que serviria para "o atual Parlamento encontrar uma solução de Governo em 14 dias." Caso, ao fim desses 14 dias, o Parlamento não fosse capaz de o fazer, aconteceriam "eleições antecipadas".
O terceiro cenário seria uma outra "moção de censura" com o objetivo de, em 14 dias, fazer aparecer um Executivo com a missão específica de "fazer uma alteração legislativa e dizer 'O Reino Unido só sairá da União Europeia com um Brexit com acordo'".
Em qualquer um dos cenários, o tempo é curto e os prazos, "quer de fazer a alteração legislativa sem moção de censura, quer apresentar uma moção de censura e eleger um Governo alternativo em 14 dias, ficam reduzidos a cerca de cinco dias úteis".
"Há pouco tempo entre o Parlamento retomar as suas atividades no princípio da próxima semana e encerrar no dia 12 para que os deputados que são contra o Brexit sem acordo consigam fazer isso tudo", remata.
A corrida contra o tempo começa agora. Preveem-se dias de "atividade frenética" num Parlamento (e num país) em ebulição, preso há meses num impasse que teima em não chegar ao fim.
