"Brutalidade está no ADN da polícia de Moçambique" e Chapo dificilmente terá "arrojo" para reformas
O investigador João Feijó aponta, em declarações à TSF, que "não há vergonha nenhuma de bater em mulheres indefesas", em frente a "convidados das embaixadas e jornalistas", pelo que questiona o que "não se fará as penitenciárias, nas esquadras e em Cabo Delgado, perante qualquer indivíduo suspeito"
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A brutalidade está no "ADN das forças de defesa e segurança de Moçambique". As palavras são do investigador João Feijó, que confessa não reconhecer no Presidente da República eleito, Daniel Chapo, a "coragem para fazer reformas dentro da polícia".
Pelo menos oito pessoas morreram nas manifestações pós-eleitorais em Moçambique, dia da tomada de posse do novo Presidente moçambicano, segundo levantamento feito pela plataforma eleitoral Decide.
De acordo com os dados da ONG moçambicana que monitoriza os processos eleitorais, registaram-se três mortos nas manifestações de quarta-feira na província de Maputo, dois na cidade de Maputo, sul do país, e três em Nampula, no norte, elevando a 308 o total de óbitos desde o início das manifestações pós-eleitorais.
João Feijó, autor de livros como "Factores de conflitualidade em Moçambique", fala ainda em relatos de mulheres espancadas às mãos da política.
"Não há vergonha nenhuma de bater em mulheres indefesas. Não há vergonha nenhuma de três indivíduos armados baterem com chamboco (um cacetete) numa mulher desarmada e inofensiva em frente às câmaras", adiantou, em declarações à TSF.
O investigador questiona por isso "o que não se fará as penitenciárias, nas esquadras e em Cabo Delgado, perante qualquer indivíduo suspeito".
"Se eles fazem isto aqui, em Maputo, em frente aos convidados das embaixadas e aos jornalistas, imagine-se o que se faz por este país fora", argumentou.
João Feijó considera por isso que a contestação não vai parar depois da posse de Daniel Chapo, até porque as violações dos direitos humanos não foram tema no discurso do novo Presidente de Moçambique.
"O discurso [de Daniel Chapo] foi omisso em relação às práticas brutais da polícia e em relação a questões de violação de direitos humanos", sublinhou.
Apresentou ainda assim uma razão que pode explicar a inexistência destas questões nas palavras do novo chefe de Estado: discursava em frente a Filipe Nyusi, o seu antecessor e, talvez, "por uma questão de respeito", tenha decidido não mencionar assuntos polémicos.
"Vamos ver nos próximos dias se ele vai exonerar o atual comandante-geral da polícia, Bernardino Rafael, e se vai ter coragem de fazer as reformas dentro da polícia e de humanização do comportamento da polícia, que é brutal", disse.
Confessou descrença com esta possibilidade, até porque considera que a brutalidade "está no ADN das forças de defesa e segurança de Moçambique".
"Essa brutalidade é algo que já estamos todos mais do que habituados. Gostaria de estar enganado, mas eu não vejo que Daniel Chapo seja muito arrojado nessas medidas", admitiu.
Recorre ainda ao percurso do Presidente moçambicano para justificar estas afirmações de que Chapo poderá não ter "a capacidade para fazer essas reformas" e insiste que o país precisaria de ir contra "uma política agressiva e de intolerância em relação à irreverência".
"[Daniel Chapo] é um indivíduo que não veio do interior, nem da defesa, nem da segurança. É uma pessoa que veio de administrador e governador da província de MInhambane e que não tem o controlo daqueles setores mais sinistros do Estado, num país onde o diretor do SISE [Serviço de Informações e Segurança do Estado] pode morrer de acidente de automóvel a 200 km de Maputo, uns dias antes de uma revolta, em circunstâncias muito estranhas", denunciou.
João Feijó fala mesmo em "alas sinistras dentro do Estado" que estão fora do controlo da Presidência.
Apesar da cultura de violência instituída, João Tomé nota que há uma imensa esperança na sociedade moçambicana, que aguarda a abertura de uma nova pagina.
Em 23 de dezembro, Chapo, 48 anos, foi proclamado pelo Conselho Constitucional (CC) como vencedor da eleição a Presidente da República, com 65,17% dos votos, nas eleições gerais de 9 de outubro, que incluíram legislativas e para assembleias provinciais, que a Frelimo também venceu.
O candidato presidencial Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados eleitorais, convocou três dias de paralisação e manifestações, desde segunda-feira, contestando a tomada de posse dos deputados eleitos à Assembleia da República e a investidura do novo Presidente da República.
A eleição de Daniel Chapo tem sido contestada nas ruas desde outubro, com manifestantes pró-Mondlane - que segundo o CC obteve apenas 24% dos votos mas que reclama vitória - a exigirem a "reposição da verdade eleitoral", com barricadas, pilhagens e confrontos com a polícia.