País em que 60% da população é jovem tem cada vez mais idosos abandonados. Vários lares onde os mais velhos são acolhidos dependem da ajuda do Estado português.
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Ermínia é apenas um caso. Em São Tomé e Príncipe não é preciso ser muito velha para ser chamada de feiticeira. Ermínia tem agora 65 anos e chegou ao lar da Santa Casa da Misericórdia de São Tomé e Príncipe com ainda menos, 62, depois de passar por várias comunidades em que sucessivamente era acusada de feitiçaria apenas por ser idosa e pobre.
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A diretora do lar, Elsa Viana, conta que com frequência basta ter cabelos brancos e ser pobre para que os idosos sejam abandonados, rejeitados, maltratados ou postos na rua pelos vizinhos e pela família, num problema que afeta muito mais as mulheres do que os homens.
O português Manuel dos Santos, bispo de São Tomé há vários anos, também está habituado a relatos deste género: "Basta alguém sonhar com um idoso que vive ao lado quando tem uma dor de cabeça para pensar que é um feiticeiro, até porque vivemos uma cultura em que a morte e a doença têm de ter uma explicação, algo em que os próprios idosos acreditam - ser feiticeiro não se escolhe, acontece..."
O lar da Santa Casa é uma das várias instituições apoiadas pelo Estado português em São Tomé na luta contra a pobreza, apoio ao emprego e formação profissional, num total de 1 milhão de euros por ano, 20 milhões nas últimas duas décadas.
Elsa Viana conta que o lar está cheio com 90 idosos, grande parte mulheres acusadas de feitiçaria, um problema grave num dos mais pequenos países do mundo com apenas 200 mil habitantes.
Há mesmo idosos espancados, esfaqueados e até mortos: "Maus tratos sérios que nós vivemos sempre. Muitos idosos vieram para aqui com uma perna ou um braço partido porque a família e a comunidade os apelidou de feiticeiros. Muitas vezes até lhes tiram a vida..." conta Elsa Viana.
Irmã Lúcia, uma freira católica que gere outro lar noutra zona da ilha de São Tomé, totalmente dependente do apoio português, confirma as histórias de Elsa Viana: "Não será por maldade e talvez apenas pela pobreza, mas a pessoa quando é mais velha e 'não rende' chamam-lhe feiticeira e muitas vezes nem são aceites no seio familiar. Os idosos são vistos como alguém sem valor para a sociedade".
O ministro do emprego e assuntos sociais de São Tomé e Príncipe acredita que estes casos de idosos abandonados, acusados de feitiçaria e até agredidos não serão tão comuns como se pensa, mas admite que existem e são um problema grave no país.
Emílio Fernandes Lima conta que a tradição da família alargada que respeitava os mais velhos, típica do país e de África, tem-se perdido: "Há uma globalização cultural que leva a que os nossos jovens já não sigam esses valores, criando-se estigmas de feitiçaria contra os velhos carenciados".
Abandono de crianças também é cada vez mais comum
Apesar do problema grave do abandono de idosos, coisa rara num Continente africano conhecido por valorizar muito o saber dos mais velhos, quando se pensa em pobreza extrema em São Tomé aquilo que mais salta à vista são as crianças: metade da população tem menos de 18 anos.
Na "Casa dos Pequeninos", um dos centros para crianças em risco apoiado com os impostos dos portugueses, a diretora, Jurtalene de Sousa, conta que as razões para o abandono de menores não são muito diferentes das descritas para os idosos.
"Antes havia o sentido de comunidade, a tia ou a avó fariam o papel de mãe quando fosse preciso e toda a gente acolhia com amor... Hoje nesta sociedade emergente e mundo globalizado que temos cada um só quer preocupar-se com o que é seu, não há o sentido de responsabilidade por um sobrinho ou um neto filho de quem se aventurou no estrangeiro. E todos querem procurar melhores condições de vida lá fora. No entanto, quando vão deixam filhos", detalha Jurtalene.
As roças (decadentes) de São Tomé
Num país verdejante, paradisíaco, na linha do Equador e onde tudo o que se deita à terra cresce, dois terços dos são-tomenses têm rendimentos abaixo do limiar da pobreza e as mulheres uma média de cinco filhos cada.
Não é por acaso que Paulino, um dos poucos antigos trabalhadores ainda vivos das muitas roças que existiam em São Tomé e Príncipe antes da saída dos portugueses, teve 10 filhos e já vai "nuns" 60 netos - pelo menos, admite, aqueles que se contam oficialmente.
Também conhecido por "doutor" por ser dos raros que na Roça do Monte Café tem memória de como tudo funcionava no tempo colonial, Paulino, 82 anos, faz uma visita guiada e descreve com saudade o tempo em que havia salário, carne, bom vinho e ordem: "Hoje cada um faz o que quer", desabafa.
As roças de São Tomé, enormes quintas que até tinham caminhos-de-ferro internos e onde os hospitais eram com frequência os maiores edifícios até para garantir a saúde da força produtiva dos homens, são hoje um símbolo, decadente, do colonialismo português.
Tempos com décadas em que os trabalhadores eram escravos ou quase-escravos, mas que para muitos deixaram alguma nostalgia, mesmo para os mais novos que só ouvem histórias e observam o que resta da arquitetura.
Ocupadas por uma população extremamente pobre, as roças e com edifícios em ruínas são também um símbolo da pobreza em São Tomé e Príncipe.
Na Agostinho Neto, antes chamada de Rio de Ouro, a maior roça de São Tomé, o enorme e imponente edifício do hospital tem cada consultório ocupado por uma família: uns 20 metros quadrados que para os padrões de muita gente, por ali, equivalem a uma boa casa.
Onde 1 euro vale mais que 1 euro
Por ano, Portugal envia para São Tomé e Príncipe um milhão de euros em ajuda à cooperação nas áreas da luta contra a pobreza, emprego e formação profissional.
Não parecendo muito para os padrões dos investimentos que se fazem na Europa, num país africano o valor de um euro e a capacidade de fazer a diferença é muito maior, como salienta o ministro português, Vieira da Silva, que na última semana foi a São Tomé assinar um novo protocolo para renovar o apoio que nas últimas duas décadas significou transferências de 20 milhões de euros do Estado português para projetos em São Tomé e Príncipe.
Vieira da Silva fala numa opção estratégica de Portugal para um país que fala português e que evidentemente precisa de ajuda. Do lado de lá, o homólogo são-tomense, Emílio Fernandes Lima, agradece o apoio português a um país africano com tanta pobreza extrema que teima em não diminuir.
Ao todo o dinheiro enviado pela cooperação portuguesa e aplicado por cinco instituições de São Tomé permite apoiar 7300 pessoas em 12 respostas sociais, grande parte crianças, mas também idosos e adultos em projetos de formação profissional como o primeiro curso de braille e informática para cegos.
Um curso onde os formadores contam os desafios de tentar ensinar informática a pessoas sem computador em casa, obrigando a estratégias criativas como fazer um teclado de madeira que permita aos cegos treinarem em qualquer lado.
A TSF viajou até São Tomé e Príncipe a convite do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.