O Reino Unido decidiu abandonar a União Europeia mas, para o presidente francês, o país não deixa de ter obrigações em relação à França no caso da gestão da crise migratória.
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François Hollande instou esta segunda-feira o Reino Unido "a assumir o seu papel" na gestão da crise migratória em Calais, um dos principais desafios políticos a sete meses das eleições presidenciais.
Pela primeira vez desde que foi eleito em 2012, François Hollande visitou esta pequena localidade portuária no norte da França, perto do canal da Mancha, onde confirmou o desmantelamento completo e definitivo do campo de refugiados conhecido como "A Selva".
Entre sete e dez mil migrantes, principalmente oriundos da Síria, Eritreia ou do Sudão, vivem neste campo - o maior do país - na expectativa de conseguir chegar ao Reino Unido. Desde a primavera, o tamanho do campo duplicou devido à chegada dos migrantes que atravessam o mar Mediterrâneo e à evacuação dos acampamentos parisienses.
Perante as tensões crescentes entre migrantes e a vizinhança, o ministro do Interior francês, Bernard Cazeneuve, anunciou o desmantelamento de "A Selva" antes do inverno. "O governo irá até ao fim", confirmou François Hollande, que não se deslocou ao campo.
"Estou determinado a ver as autoridades britânicas a assumir o seu papel no esforço humanitário que a França realiza aqui e continuará a realizar no futuro", disse, numa referência aos jovens menores bloqueados em Calais.
"O Reino Unido tomou uma decisão soberana, mas não é por isso que deixa de ter obrigações em relação à França", acrescentou, numa alusão à decisão britânica de sair da UE (Brexit).
Na sequência dos acordos assinados, em 2003, entre Paris e Londres, a fronteira britânica está em França e cabe às autoridades francesas bloquear os fluxos migratórios.
Londres contribui financeiramente, com várias dezenas de milhões de euros, para garantir o funcionamento desta fronteira. Os britânicos estão a financiar nomeadamente um muro "anti-intrusão" em construção na via que conduz ao porto de Calais, apesar dos protestos das associações de defesa dos estrangeiros.
O governo britânico autorizou meia centena de menores a juntarem-se às suas famílias no Reino Unido, ao abrigo do regime de "reunião familiar", mas ainda se encontram - de acordo com várias associações - cerca de 900 jovens de menos de 18 anos no campo.
Na campanha para as presidenciais, uma parte da direita francesa "tomou" o tema da imigração para tentar conquistas votos da extrema-direita que, de acordo com todas as sondagens, estará presente na segunda volta do escrutínio em 2017.
Na semana passada, o antigo presidente Nicolas Sarkozy, candidato às primárias da direita, visitou Calais para defender o restabelecimento dos controlos nas fronteiras.
Sarkozy e equipa multiplicam os ataques contra a política do governo socialista e criticam nomeadamente a abertura prevista de centros de migrantes em todo o território para receber milhares de exilados de Calais.
No sábado, durante uma visita a um destes centros de acolhimento, François Hollande prometeu que a França "não será um país de campos", enquanto a direita agita a ameaça de "mini-Calais" em todo o país.
Na gestão do dossier Calais, o governo vai tentar manter "a distância relativamente a qualquer tentativa de instrumentalização ou polémicas que ignoram os princípios dos valores da República", acrescentou Hollande, numa resposta aos adversários.
A França é sobretudo um país de trânsito para os migrantes e registou apenas 80 mil novos pedidos de asilo em 2015 contra perto de um milhão na Alemanha.
Em algumas localidades, a próxima abertura de centros de acolhimento está a gerar alguma instabilidade. No sudeste, um autarca quer organizar um referendo para bloquear o projeto. No sábado, várias centenas de manifestantes protestaram, nos arredores de Paris, contra a instalação de centros de acolhimento.