Nos corredores parlamentares admite-se possível adiamento da votação, se Von der Leyen perceber que não tem o apoio necessário
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A candidata à recondução no cargo de presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen vai, esta quinta-feira, submeter-se à votação dos eurodeputados, na sessão plenária constitutiva, que decorre em Estrasburgo.
Ursula von der Leyen passou as últimas duas semanas em intensas negociações com os grupos políticos, no Parlamento Europeu, para assegurar que é cumprido o compromisso político que resulta do acordo para a distribuição dos cargos de topo, na União Europeia.
O acordo que garantiu nomeação de António Costa como presidente do Conselho Europeu, implicava o voto favorável dos eurodeputados de três famílias políticas que dariam o número de votos suficientes para as duas eleições que passam pelo crivo parlamentar. Neste caso, a aprovação do nome de Ursula von der Leyen para presidente da Comissão Europeia, esta quinta-feira, e o de Roberta Metsola, que já foi aprovado na terça-feira.
Até à véspera da votação, várias fontes parlamentares afirmaram à TSF que “as negociações não estão fáceis”, admitindo que o resultado final da votação pudesse não se traduzir na maioria absoluta necessária, inviabilizando parte do acordo.
O grupo dos Socialistas (S&D) também não esclareceu o posicionamento sobre a eleição de Von der Leyen. Na terça-feira, o presidente eleito do Conselho Europeu, António Costa, viajou para Estrasburgo para se encontrar com o grupo parlamentar da sua família política, admitindo que manifestaria “o apoio à eleição da presidente Ursula von der Leyen”, expressando o desejo de “que tudo corra pelo melhor, para podermos ter aqui uma maioria que funcione ao serviço dos cidadãos e da Europa”.
O grupo S&D, que conta com 136 deputados na nova legislatura, terá uma palavra decisiva na eleição de Von der Leyen, na votação desta quinta-feira, depois do apoio do grupo dos Liberais (Renew), com 77 deputados, e do Partido Popular Europeu, que conta com 188 deputados.
Ursula von der Leyen precisa de conquistar pelo menos 361 eurodeputados para alcançar a maioria absoluta, para a eleição como presidente da Comissão Europeia. A poucas horas da votação, o sentimento geral é que seria impensável que Ursula von der Leyen não fosse eleita como Presidente da Comissão.
Há cinco anos, Ursula von der Leyen foi eleita por uma curta margem de 9 votos. Alcançou 383 votos a favor, tendo 327 eurodeputados votado contra a liderança da alemã. Desta vez, apesar do acordo entre as três famílias políticas garantir, aritmeticamente, mais de 400 votos, não é certo que tal venha a acontecer, numa eleição em que o voto é secreto e cada deputado pode votar como entender.
Nos corredores parlamentares de Estrasburgo admite-se, caso perceba que não tem, por agora, os apoios necessários para a sua eleição, Ursula von der Leyen peça o adiamento da votação, para depois do verão. Nesse caso, o processo transitaria para a terceira semana de setembro, quando ocorre a primeira sessão plenária, após a pausa de verão.
Esta quinta-feira, está previsto que Ursula von der Leyen discurse, às 08h00 (09h00 em Estrasburgo) perante os eurodeputados. Na sua alocução deverá referir as orientações de política que pretende levar a cabo no próximo mandato, mas também fazer referência às medidas alcançadas nos cinco anos em que esteve à frente do executivo comunitário, naquele que é reconhecido como o período mais conturbado da história da construção europeia, com uma pandemia e uma guerra na Europa.
É, porém, uma parte do seu trabalho como presidente da Comissão Europeia que merece reparos, incluído dentro da sua própria família política.
Uma das polémicas relaciona-se com um dos momentos de maior destaque da Comissão Europeia e da sua liderança quando, durante a Covid-19, se envolveu diretamente na busca de uma solução para a crise sanitária. O seu envolvimento incluiu a negociação de contratos para a compra de vacinas. Este aspeto foi particularmente elogiado pela sua família política, mas mereceu duras críticas de grupos como os Verdes, os Conservadores e Reformistas e o grupo da Esquerda Unitária.
Está em causa um pedido dos eurodeputados para conhecerem os termos dos contratos e a forma como foram negociados, depois de se tornar pública a existência de mensagens de texto trocadas entre Von der Leyen e o CEO da fabricante de vacinas contra a Covid, Pfizer. Bruxelas não autorizou que os documentos fossem consultados, levando os eurodeputados a apresentarem uma queixa perante o Tribunal de Justiça da União Europeia.
O tribunal pronunciou-se na véspera da votação, dando razão aos eurodeputados e considerando que Von der Leyen esteve mal ao não proporcionar a devida transparência sobre os contratos com as farmacêuticas.
Já no caso de medidas bandeira da Comissão de Von der Leyen, como a do chamado Green Deal, o pacto ecológico europeu, que impõe metas climáticas, com vista à neutralidade carbónica, é criticada mesmo entre os deputados da sua família política. Fontes parlamentares admitem que “esses deputados podem cobrar-lhe isso na quinta-feira [hoje]”.
Expectativa dos eurodeputados
Em declarações à TSF, o eurodeputado Paulo Cunha lembrou que “houve uma concertação entre as três principais forças políticas - PPE, socialistas democratas e liberais - para a distribuição [dos cargos de topo] para as quatro áreas principais de responsabilidade: política externa, Conselho Europeu, Parlamento Europeu e Comissão Europeia”.
“Essas forças políticas têm representatividade no Parlamento Europeu para que estas eleições sejam bem-sucedidas”, afirmou. “Espero que o compromisso seja cumprido e que o acordo que permitiu a eleição do António Costa seja respeitado nas outras dimensões deste acordo. Se isso não acontecer, abre-se uma situação de imprevisibilidade e insegurança acerca do futuro das instituições, o que seria mau para a sua reputação e credibilidade”, vincou, considerando que é “fundamental eleger Ursula von der Leyen”.
Depois de várias semanas de negociações, a eurodeputada Marta Temido afirmou que “como chefe da delegação portuguesa, não nos passa pela cabeça que o acordo relativamente aos altos cargos europeus não seja respeitado”.
O eurodeputado da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, admitia “não estar otimista quanto às condições para os cargos negociados em pacote, como Presidente do Conselho Europeu, Presidente da Comissão Europeia, Presidente do Parlamento e Alto Representante para a Política Externa”. Porém, na terça-feira, disse estar “satisfeito” com o resultado alcançado pelas negociações que permitiram aos liberais votar a favor de Roberta Metsola para a presidência do Parlamento Europeu.
João Oliveira, eurodeputado da CDU, adiantou que a esquerda votará contra, tendo em conta “a repartição de cargos entre sociais-democratas, Partido Popular Europeu e liberais, que sustentam o consenso neoliberal e militarista da UE”.
Catarina Martins, eurodeputada do Bloco de Esquerda, afirmou que “tudo nos afasta de Ursula von der Leyen”, dando exemplos “da política de dois pesos e duas medidas sobre a paz”, referindo-se à Ucrânia e à Palestina. Outra crítica prende-se com o Pacto das Migrações, assim como com as regras de governação económica.
Tânger Correia, eurodeputado do Chega, admite: “em relação a Von der Leyen, votamos contra”, apontando a “postura federalista” de Von der Leyen, “que contraria os princípios soberanistas” do Chega.