A quatro dias da data marcada para o referendo sobre a independência da Catalunha, mantém-se a incerteza sobre a votação.
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Em Barcelona, a crispação e a divergência de posições, entrelaça-se com o dia-a-dia descontraído, de uma cidade essencialmente turística. E, isso nota-se pelas ruas.
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"Não é a Catalunha faz independentistas. É Espanha que nos torna independentistas", comenta apressado Alex Carbo. A contrastar com os protestos da semana passada, este funcionário de hotelaria nota que Barcelona parece agora mais "tranquila", sem sinal de "ajuntamentos e manifestações", que "não estão previstas". "Estamos a preparar-nos para dia 1", acrescenta Alex, esperando porém, que no domingo, "se possa votar livremente".
Na Praça Sant Jaume, o Palácio da Generalitat da Catalunha, sede da presidência do governo autónomo, torna-se quase discreto, em frente à sede do município. O palácio do município é mais apelativo. A bandeira de Espanha agita-se no topo ao centro, com a catalã à esquerda e a da cidade à direita. Mais abaixo, uma tarja branca, em que se lê "Mais Democracia", ocupa grande parte da lateral.
Encostado a um dos cantos da praça, um prédio comum, tem um dos andares cobertos com uma faixa amarela, na qual pode ler-se que "A Catalunha quer votar". A frase, escrita em inglês, não passa despercebida a turistas, como Andrew, que está de passagem uns dias, para escapar à chuva de Liverpool.
"Isto é natural que aconteça em algumas áreas com uma identidade regional muito forte, como também as temos no Reino Unido", comenta. "Penso que também deveríamos votar em Liverpool, para sermos independentes do resto do Reino Unido", ironiza, justificando que tal poderia acontecer "por causa do brexit" e, principalmente, pela "identidade regional".
Independência
"Independência", ouve-se ao fundo. "Independência", grita novamente um dos homens. São apenas dois, mas fazem-se ouvir bem alto, na praça. "Há que deixar o povo catalão decidir", grita o outro. O motivo para esta tomada de posição repentina é o cartaz que Robert Van Wart, um holandês imigrado "há muitos anos" em Barcelona, exibe em silêncio: "Catalunha embrião de Espanha".
"Catalunha pertence a Espanha. É como um embrião, com a sua mãe, estão ligados pelo cordão umbilical", justifica. Mas, lá ao fundo, volta ouvir-se um dos homens: "embrião sim, mas deixem o povo decidir".
"Creio que deveriam poder votar. Têm o direito de votar e de decidirem o que querem", comenta Ana Rodriguez, 50 anos, valenciana. Está de passagem por Barcelona "unicamente para ver os Rolling Stones", que atuaram ontem na cidade. Pensa que "a democracia não deve ser questionada, por causa da integridade do território".
Favorável o referendo, Laia Lanzarote comenta atrás do balcão da padaria que "não deveriam ter deixado as coisas chegar a este ponto", considerando que Madrid e Barcelona "deveria ter dialogado através de uns meios mais éticos".
O problema é que "o referendo foi considerado ilegal", frisa o holandês, Robert Van Wart, considerando que "insistir" numa ilegalidade "é delinquência".
No café, ao lado da padaria, Xavier lamenta que "o Estado espanhol não tenha sabido gerir isto melhor" e é por essa razão que "estamos aqui", com posições crispadas. Mas, a crispação não está em todo o lado.
Ronaldo e Messi, rivais?
Na loja de Lalit, um indiano que já viveu em Madrid e está há dois anos em Barcelona, "não há Catalães, nem espanhóis". "Aqui, só turistas", exclama, atrás de um balcão, cercado de estantes com centenas de "recuerdos". Uns dourados, outros brilhantes de vidro, uns aparentam a forma da Sagrada Família, outros uma lagartixa salpicada de pintas coloridas, a remeter para El Drac, o réptil coberto de "trencadís" - aqueles pedaços de azulejo, que Gaudi teve a paciência de escavacar com minúcia, e transformou no emblema do parque Guell.
Lalit veio para Barcelona "porque as coisas em Madrid começaram a apertar", conta-me agora num castelhano mais solto. Primeiro, quando lhe perguntei pelo referendo, a resposta fora "non fala espanhol", pronunciada com o sotaque próprio de quem cresceu em Jaipur, Índia. - Ah, afinal fala espanhol, exclamo, com surpresa, depois de ter pensado que seria impossível comunicarmos.
Mas, a conversa desenrolou-se quando apontei para a camisola de Ronaldo pendurada ao lado da de Messi com as cores do Barça. Os equipamentos das estrelas dos dois clubes rivais, lado a lado, são a prova de que, na loja, "é preciso agradar todos os que entram". São também o sinal de que este imigrante, que procurou Espanha para fitar o destino, deixou Madrid apenas porque "por aqui, na Catalunha, há mais trabalho".