A organização israelita B'Tselem distribui câmaras de filmar a palestinianos para que registem o dia a dia nos territórios ocupados. O Camera Project acredita que "uma câmara muda a realidade".
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Os vídeos são filmados com baixa qualidade. O som não é bom, falta enquadramento e a luz está longe de ser prefeita. Mas não é isso o mais importante. O essencial é que mostram a realidade, aquilo que acontece nos territórios ocupados por Israel.
A ideia de usar filmagens de palestinianos que vivem nestes territórios surgiu da necessidade de ter provas visuais do que se estava a passar. "Um vídeo, mesmo desfocado, transmite uma experiência direta que não pode ser ignorada", defendem.
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A B'Tselem (Centro de Informação israelita para os Direitos Humanos nos Territórios Ocupados) nasceu em 1989 com o objetivo de documentar e educar o público em Israel e combater o que chamam "o fenómeno de negação" dos israelitas perante o que acontece nos territórios ocupados.
Há dez anos criaram o Camera Project. Helen Yanovksy, responsável pelo arquivo de vídeo da associação, conta que tudo começou com uma necessidade concreta. "Em 2007 um dos investigadores no terreno teve a ideia de dar uma câmara de filmar a uma família que vivia em Hebron para que pudessem documentar o assédio dos colonos em tempo real, tal como estava a acontecer. Recebíamos muitas queixas da família e era importante ver o ataque. O primeiro vídeo foi filmado por uma jovem de 16 anos, filha da família, e tornou-se viral".
O impacto foi enorme. "Chocou o público em Israel. Foi a primeira vez que os israelitas viram o ponto de vista dos palestinianos", lembra Helen.
Perceberam que resultava e começaram a distribuir mais câmaras. Na altura, o YouTube tinha sido fundado há pouco mais de um ano e foi fundamental para fazer crescer o projeto. "O primeiro e o segundo vídeos chegaram logo ao estrangeiro. A BBC publicou-os e espalharam-se. Especialmente com o YouTube, os vídeos tornaram-se virais e chegaram às notícias".
Helen não tem dúvidas sobre a importância do Camera Project. "O projeto já tem 10 anos. Continua a ter uma grande influência dentro e fora de Israel e é uma das principais fontes sobre violação de direitos humanos nos territórios ocupados", salienta, "aquilo que o torna mais forte é que os vídeos são filmados pelos palestinianos que vivem lá e que registam as vidas deles sob ocupação".
Filmar a realidade tal como ela é
Até agora a B'Tselem já distribuiu cerca de 250 câmaras de filmar em zonas de conflitos. Os operadores são voluntários e não fazem mais do que registar o dia-a-dia.
Há de tudo: ameaças, ofensas, agressões, ataques a casas, destruição de campos, abusos de poder. Tanto de civis como de militares.
Um dos vídeos mostra a detenção de duas crianças de 8 anos, alegadamente por atirarem pedras. Um soldado pede repetidamente à voluntária que filme a situação. Chama-se 'Tal como no zoo'.
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"Foi filmado por uma das investigadoras da B'Tselem, Manal Ja'abri, em Hebron. É uma realidade absurda quando o soldado fala com as crianças pequenas. Elas nem sequer o entendem - há a barreira da língua", diz. "Este tipo de vídeos, que também recebemos, não provam propriamente violação de direitos humanos - apenas mostram esta vida, esta interação que faz parte da realidade".
Há um outro filme que mostra um israelita a subir ao telhado de uma casa para tirar a bandeira da Palestina que está hasteada. Argumenta que o telhado faz parte da Terra de Israel.
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"Foi um dos filmes mais fortes que recebemos. É gravado sem interrupções. A pessoa que filma vai até ao telhado da casa dele porque percebeu que alguma coisa se estava a passar. Começa a filmar enquanto se aproxima - conseguimos até ouvir a respiração dele. E chega junto de um colono que está preso entre a vedação e o telhado. Acaba por ser cómico".
Cinema urgente
São já centenas de vídeos filmados por palestinianos que vivem nos territórios ocupados por Israel. Tudo é rigorosamente verificado para garantir a credibilidade do projeto.
O número de voluntários vai variando, mas o arquivo é cada vez maior. "Não tem tanto a ver com a quantidade de pessoas que participam no projeto. É mais sobre onde a câmara deve estar", revela Helen, "o mais importante é pôr a câmara no sítio certo e na altura certa."
Helen Yanovsky foi convidada da edição deste ano do Doclisboa. Veio mostrar o trabalho da B'Tselem na secção do festival que se chama Cinema de Urgência. A realizadora explicou o trabalho da organização e mostrou alguns dos vídeos. Em Lisboa, como noutras cidades, a reação é sempre de choque.
"Acho que o visionamento no Doclisboa não foi fácil para o público. Foram projetados vídeos difíceis. Mas na sessão de perguntas e respostas, quando expliquei a metodologia desde que recebemos os vídeos, o que fazemos com eles, toda a investigação que está por detrás... acho que estavam impressionados com o profissionalismo".
Documentar, mostrar, verificar tudo, manter sempre o rigor. É este o método da B'Tselem. Para garantir que são levados a sério, que ninguém pode ignorar o que se passa.
"Estes vídeos têm um impacto muito grande por causa da crueza. Agitam-nos. São tão vivos, tão verdadeiros. E são filmados em tempo real", realça Helen, "vemos a realidade em frente aos nossos olhos".
Pode ver outros vídeos do Camera Project da B'Tselem no canal do youtube da organização aqui.
A B'Tselem está também no Facebook aqui.